sexta-feira, 21 de maio de 2010

Capítulo Cinco - Parte Um - Todestrieb: A pulsão de morte

Capítulo Cinco – Todestrieb: A pulsão de morte



- Quando você vai parar de fazer isso?
- Isso o quê?
- Invadir a minha sala, juntar uma cadeira na minha e comer comigo.
- Você fala como se quisesse que eu parasse, Nori-san.
- Já faz um mês.
- Você conta?
- Mais ou menos.
O caçador pegou um sashimi, o olhou extensamente e o pôs de volta, voltando o olhar à maldita janela.
- Um mês depois, você ainda não mudou nada, Nori-san. – Disse Susumu, pondo os hashi dentro do bentou para evitar perdê-los novamente.
- Eu deveria mudar?
- Acho que sim. Ao menos comer melhor.
- “Comer melhor”?
- Mais coisas. Você ainda é muito magrelo. Ninguém gosta de moleques magrelos demais como você, Nori-san.
- Creio que você não faça parte do grupo de “ninguém” então.
- N-não, eu estava dizendo de verdade! – Disse o rapaz, franzindo as sobrancelhas. – Não, quis dizer, sim, estou nesse grupo de “ninguém”, com toda a certeza.
- Então você gosta de moleques ou então quer que eu ganhe massa muscular. Entendo – Falou, fechando o bentou e pondo os pés em cima da mesa.
- Você e-está entendendo tudo errado, Nori-san...
- Então me explique.
- Você deveria parar de ficar me provocando!
- Oh, então te provoco – Murmurou ele, com um ligeiro sorriso de canto de boca. Então, levantou os olhos para o relógio e disse: - Uma e quarenta. Vou para casa.
- Já?
- Sim. – Falou, se levantando, guardando o bentou na mochila e a pondo transpassada. – Nos vemos amanhã?
- Mais tarde.
Nori ficou em silêncio, com uma sobrancelha levantada.
- Às sete.
Deu de ombros e foi até a porta, ficando de costas para ele.
- Certo, Nori-san?
Mais silêncio.
- Se Himura-san começar a reclamar, as coisas ficarão feias para mim.
- Ei, não é minha culpa se você arranjou um amigo.
- Não se faça de inocente, Susumu-kun.
- Não estou. O que eu disse de errado?
A terceira ocorrência do silêncio terminou com o caçador batendo a porta e andando pelo corredor. O outro rapaz abriu a porta, viu-o indo descer as escadas e correu atrás dele, alcançando-o quando ele estava descendo o último degrau e segurando seu ombro.
- Não me deixe sem respostas, Nori-san!
Susumu ouviu um suspiro muito pesado e sentiu sua mão ser gentilmente estapeada para longe. Franziu as sobrancelhas e tentou de novo o impedir de ir embora, mas este novamente o estapeou e, sem ao menos o olhar nos olhos, continuou descendo as escadarias.
Por que ele estava o ignorando assim?
Digo, ele sempre costumara o ignorar, mas isto não era meio... Demais?
Será que algo estava para ocorrer?
Desconfiado, o seguiu até a entrada do colégio.
Em vez de ir para a direita, como ele sempre ia, ele foi para a esquerda...
Para a esquerda ficava a estação do bonde.
Mas não era dia dele ir para a clínica.
Hm...
Talvez ele fosse comprar algo?
Quem sabe...

Ficou lá parado por um bom tempo, encarando a rua por onde Nori havia seguido. Ignorou que havia sido ignorado por alguns de seus colegas de classe e continuou pensando, ponderando e imaginando, até que ouviu uma voz de garota lhe chamar:
- Ei, você é aquele tal Nakahara-san, não é?
- Hm? Eu? – Disse Susumu, olhando para baixo e a vendo. – Sim, sou. Por quê?
- Amigo do Kurosawa-san, não?
- Sim...
- Onde ele está, pode me dizer?
- Acabou de sair.
- Oh, que pena... Por onde ele foi?
- Me perdoe, mas por que você quer saber? Quem é você? – Perguntou o rapaz, levantando uma sobrancelha.
- Ei, não lembra de mim?
- Não... Eu deveria?
- Eu salvei sua vida e você não lembra?! – Berrou a garota, indignada, pondo as mãos na cintura.
- Hn... Me perdoe, mas...
- A criadora!
- AH! Sim! A criadora! – Disse Susumu, levando a mão à testa, mesmo sem exatamente se lembrar dela. – Aquela menininha de um mês atrás?
- Sim!
- Que invocou o Shiawase?
- Sim!
- Que fugiu para nunca mais ser vista?
- Si- Eu não fugi!
- Aposto que não.
- Não seja rude comigo, eu salvei a sua maldita vida – Disse ela, com uma careta de desgosto no rosto. – Eu só quero saber onde está o Kurosawa agora!
- Acho que foi pegar o b- Qual o seu nome, menina? Não deveria estar na escola? Cadê seus pais? Quantos anos você tem?
- Hn! – Fez ela, claramente incomodada. – Meu horário na escola acaba uma e vinte, meus pais estão em casa, eu tenho treze anos e meu nome é Akiyama Hoshi!
Susumu engoliu seco ao ouvir o sobrenome dela.
- Akiyama.
- Sim!
- A-akiyama.
- Qual o problema?
- Você é parente daquela tal Yuzuki-kun?
- Ela é minha prima em décimo segundo grau ou algo do tipo, acho. Agora, hora de responder as minhas perguntas, para onde ele foi?
- A-acho que para o bonde...
- Oh, sim! Ele deve ter ido para a mansão.
- Por que ele iria para lá?
- Hoje é um dia especial! – Disse ela, dando de costas e andando.
- Especial? – Perguntou o garoto, a seguindo.
- Sim! Fui mandada para lembrar a ele que ele precisava estar lá há meia hora. Me falaram que ele sempre perde os horários e acho que é verdade.
O garoto evitou comentar o motivo dele estar atrasado e prosseguiu a seguindo.
- E por que hoje é um dia especial, afinal?
- Primeiro, hoje começam os três dias de féria dos caçadores homens. – Falou ela, fechando os olhos e levantando o queixo.
- ... E por que só dos homens, se existem caçadoras mulheres?
- Longa história. Segundo que hoje temos visitas.
- Visitas?
- Sim.
- Que tipo de visitas?
- Dois caçadores do sul virão para nos ajudar.
- Do sul? Quer dizer, de Nagasaki?
- Não.
- De onde? Da... China?
- Passou longe.
- Hm... Coréia?
- Não.
- Austrália?!
- Pare de tentar!
- Então me diga!
- Por que quer tanto saber? Você nem caçador nem criador nem pacificador é.
- Bem, sou amigo de um. E além do mais, se até os pacificadores estão lá, mais um motivo para eu invadir. – Sorriu o garoto, levando a mão à boca. – E, hm, Akiyama-san, acho que devo te agradecer por ter salvo minha vida...
- Não precisa agradecer! Eu faço isso porque gosto, não sou obrigada a nada. E, ei! – Disse ela. – Você não pode vir comigo.
- Por que não?
- Porque não foi convidado.
- Então vamos fingir que eu cheguei lá sem querer. Certo, pequena?
- Não sou pequena.
- Claro que não. – Falou Susumu, acelerando o passo e pondo-se a correr logo depois. – Nos vemos lá, Akiyama-chan!
- Não me chame de-

Antes dela terminar o “-chan”, ele virou uma esquina e sumiu.
E a garota se viu sozinha, andando ainda em passo normal, de sobrancelhas franzidas e morrendo de vontade de encontrar aquele moleque de novo para lhe dar um chute na canela.

Mas, ei, não seria tão ruim. O máximo que aconteceria seria invadir uma reunião de caçadores e afins e ser perseguido até o fim do mundo. Valia a pena, não valia? Se pudesse encontrar Nori, Minoru e ainda os dois caçadores misteriosos, seria melhor ainda. Adoraria ver a cara dele ao encontrá-lo novamente. Agora, qual era a linha, mesmo? E o ponto? Não demoraria mais de meia hora, demoraria? Hm... Tinha que se lembrar. Se fosse parar em Otaru porque se confundiu com alguma coisa, não iria nunca se perdoar e lembraria daquilo para sempre, e provavelmente Nori também lembraria, o que definitivamente seria pior.
E como seriam os tais caçadores do sul?
Será que algum kanjou apareceria enquanto eles estão todos juntos?
E se-
Ah, o ponto!
Saltou antes que pudesse ficar perdido e olhou em volta – Um monte de carros – Carros? – Parados – Esses caçadores deviam ser mesmo ricos – Mas nenhum barulho vindo de dentro da residência. Deu de ombros e passou pelos portões, estranhando que não houvesse nenhum porteiro ou algo do tipo, e chegou na porta principal, onde aí sim estavam plantados dois criados que não lá pareciam muito assustadores ou ameaçadores.
O que parecia assustador e ameaçador agora, de qualquer jeito?
- Ei, garoto. Aonde vai?
- Encontrar um amigo.
- Que amigo?
- Um garoto.
- Oh. Qual dos cem?
- Um que não é um Akiyama.
- Acho que fala do rapaz Kurosawa, não?
- Exatamente – Disse Susumu, olhando para os lados. – Posso entrar?
- Não.
- Por que não?
- Estaria interrompendo a reunião de família.
- Reunião de família, psh – Fez ele, levantando uma sobrancelha. – Não fale como se eu não soubesse o que ocorre. Está vendo essa cicatriz? – Disse, afastando o cabelo do rosto e revelando uma em linha que passava por cima de sua sobrancelha esquerda. – Foi de quando eu fui atacado por um kanjou e salvei a vida desse tal rapaz.
O homem olhou para o outro, que até então mantinha o olhar fixo na entrada, e voltou os olhos para Susumu.
- Ainda assim não pode.
- Por que não? – Perguntou ele, ligeiramente mais zangado.
- Deve ter ouvido que esta é uma reunião para tratar os assuntos da família. Você faz parte da família?
- Não, ma-
- Então vá embora.
- Eu quero ver Nori-san!
- Problema que você queira ou não queira ver, eu disse vá embora.
- Mas eu não-
- Vou precisar invocar algo para você ir embora?
Susumu franziu as sobrancelhas, olhou para baixo, para o alto e encarou o criador na sua frente, abriu a boca, puxou o ar, pensou em desistir e puxou o ar de novo, dizendo:
- Eu n-
Foi cortado pelo curto e grosso:
- Vá embora.
Do criador.
E ele realmente suspirou, baixou a cabeça, virou e ia embora, até ver, ao longe, parado no meio do portão, o rapaz que tanto procurava, mas...
Como diabos ele...
Como ele...
Nori fez um sinal com a cabeça para que viesse e Susumu obedeceu, olhando ainda o criador. Encontrou o rapaz com um espetinho de frango – Um yakitori – Semi-comido na mão, encarando-o e soando ligeiramente confuso.
- O que está fazendo aqui, Nori-san? – Perguntou o garoto, olhando para trás mais uma vez. – Deveria estar lá dentro.
- Hm... – Fez ele, mordendo mais um pedaço do espetinho. – Deveria?
- Sim! É hoje a reunião, não é?
- É?
- Como você consegue ser tão desleixado?
- Sou? – Perguntou, coçando o rosto e olhando para baixo. – Eu esqueci. Realmente esqueci. E você? Como sabe e o que está fazendo aqui?
- Aquela criadora, acho que era uma tal Akiyama Tsuki-
- Hoshi.
- Isso mesmo. Então, como eu ia dizendo, ela me encontrou lá no nosso colégio, estava te procurando. Disse que falaram que você sempre se atrasa para as reuniões – Falou, e viu que Nori havia ficado um pouco tenso.
- Gut – Disse, fazendo soar mais um “gutto” sussurrado. – Não explica como você chegou aqui.
- Estou chocado, Nori-san presta atenção nas aulas de alemão.
- Sim, eu presto. Um pouco. Como veio parar aqui?
- Eu queria entender essas línguas germânicas. Saxônicas, acho.
- Como diabos veio parar aqui?
- Mas acho que me dou melhor com as nossas, mesmo. Vou muito bem em chinês – Prosseguiu ele, sorrindo, desafiante.
- Vou perguntar uma úl- Ah, esquece. Com licença. – Falou, empurrando Susumu para o lado e indo na direção da residência, sendo parado pelo mesmo rapaz o puxando de volta.
- Ei, eu estava brincando!
- Então me solte e me responda. – Murmurou, ainda fazendo força para frente.
- Eu vim aqui para te encontrar, Nori-san! – Disse, largando-o e não segurando o riso quando ele ficou tão atordoado que quase caiu no chão. – Achei que gostaria de companhia. E Himura-san, está aqui?
- ... Provavelmente – Falou Nori, recompondo-se, então terminando de comer o yakitori e pondo o espeto dentro da bolsa. – Então você veio aqui mesmo sabendo que não iria entrar porque achou que eu ia sentir falta de companhia?
- Por que não?
Os dois ficaram calados por alguns momentos, Susumu sorrindo – Adorava desafiar ele daquele jeito, ele ficava tão adorável zangado – E Nori com as sobrancelhas fortemente franzidas, como se não acreditasse. Quando este se mexeu e não foi na direção da residência, o garoto soube que havia feito algo de correto.
- Acho que tem razão – Disse Nori, sentando-se no meio-fio.
- Não vai entrar?
- Por que iria?
- Porque hoje começam suas férias de três-
- Psh. Não as minhas. – Cortou ele.
- O quê?
- Não-as-minhas.
- Você se chama Noriko então?! – Perguntou, parecendo abismado.
- Tanto quanto você se chama Akane. Acontece que eu não sou ligado a nenhuma caçadora que vá sangrar agora. – Disse ele, como se fosse a coisa mais natural do mundo.
- ... Hã?
- Quando uma caçadora tem sua regra, é como um período de purificação em que elas renovam as energias e ficam mais fortes, com essa energia extra caindo até o fim da próxima lua, quando elas sangram de novo, e todas o fazem no mesmo dia. Não sabia? Bem, agora sabe. E acontece que cada caçador está ligado a uma caçadora para essa lei ser aplicada. Eu estou ligado a Yuzuki-kun.
- E ela não... Por que não?
- Porque ela nunca teve a regra regular. Eu preciso esperar até que aconteça, o que demora um pouco, e aí tenho um dia de descanso.
- Por que não três?
- Você acha justo deixar os kanjou de dois no ombro de uma pessoa só?
- Não, mas...
- E mais, quanto a entrar, eu não sou da família.
- Hã?
- Sou um Kurosawa.
- Eu achei que... Mesmo assim você fosse da família.
- Não sou.
- Não pode entrar?
- Não é questão de entrar ou não. É só que minha preseça não é requisitada, se é que me entende.
- Você não é querido lá.
- É.
- Ouch. Deve ser ruim. E Himura-san?
- Himura-san não se importa com isso. Já comigo é só que... É incômodo.
- E os tais caçadores do sul? – Perguntou Susumu, abrindo um sorriso para quebrar o clima tenso.
- Aparecerão.
- De onde eles vêm?
- Você verá.
O garoto girou os olhos. Que mistério estúpido aquele que estavam fazendo!
Abraçou os joelhos e ficou olhando Nori cutucar os espaços entre os paralelepípedos com o graveto do yakitori.
Abriu a boca uma dúzia de vezes para falar algo, mas logo desistiu – O rapaz estava realmente concentrado em incomodar as formigas e insetos que passavam, e não tinha coragem de interrompê-lo daquele jeito. Em certo momento, ele largou o palitinho e abraçou os joelhos, olhando o nada, claramente entediado, até que Susumu se irritou, se levantou e se espreguiçou.
- Quando o encontro termina?
- Não sei.
- Que saco está isso. Não quer ir andar?
- Pode ser.
Sorriu ao ver o outro se levantar, mas perdeu o sorriso quando ele pareceu desistir e se sentou de novo.
- Que se passa?
- Nah.
- “Nah”?
- Perdi a vontade.
- Hã? Como assim?
- Perdi a vontade... Vou esperar.
- E ficar aí parado, esperando?
Ele balançou a cabeça afirmativamente.
- Você é esquisito.
- Eu sei.
Mais silêncio. Susumu suspirou e cutucou-o com o pé, apenas para ver que ele começara a o ignorar novamente, e precisou de mais dois cutucões para perceber que ele estava, na verdade, dormindo.
Bufou. Ele não PODIA estar falando sério.
Pensou em chutá-lo para o meio da calçada e até levantou a perna para o fazer, quando ouviu alguém gritar:
- Ei, o que você acha que está fazendo, moleque?!
“Moleque”?
Era Minoru?
Não... A voz era diferente... Era uma mulher. E o sotaque...
Virou o olhar para a fonte da bronca e quase caiu no chão, tamanho susto tomara.
- Deixe-o em paz! O que pensa que está fazendo? – Repetiu ela, pondo as mãos na cintura.
- Eu queria... Acordá-lo.
- Desse jeito?!
- Me perdoe! – Disse ele, encurvando-se e se afastando alguns passos. – Eu nunca quis...
- Você o conhece?
- Sou um amigo dele. E-e você?
Observou a moça ir até o Kurosawa e balançá-lo até que ele acordasse, assustado, e se levantasse, bocejando. Ele a encarou de cima a baixo, sorriu um pouco e apertou-lhe a mão, dizendo:
- Achei que não iria conseguir te ver, Hamaryo-san. Como foi a reunião?
- O de sempre. Nada de muito novo. Por que não estava lá?
Ele deu de ombros.
- Bem, não perdeu muito, ainda assim.
- Você vai ficar até quando aqui?
- Uma semana ou duas.
Susumu continuou assistindo aquilo embasbacado.
- Oh. Entendo. E seu esposo?
- Não pôde vir. Está ocupado com as coisas do banco...
- Fico feliz que as coisas estejam indo bem lá.
- Mais ou menos. O café está começando a empacar, as pessoas estão começando a retirar dinheiro adoidadamente...
- Ei!
Viraram-se para o rapaz, que parecia indignado.
- Quem é você, afinal? – Perguntou, apontando para a moça.
- Uma caçadora.
- De onde?
- Do sul.
- DE ONDE?
- Conhece um país chamado Brasil?
- Oh! Sim! Algum parente meu de décimo quarto grau foi trabalhar lá. Você é de lá? Por isso tem esse sotaque e essa cor de pele? E o seu nome é... Hamaryo?
- Sobrenome.
- ... Oh. – Fez ele, sabendo que talvez não conseguiria extrair tanta informação dela assim, de repente. – E você conhece Nori-san porque...
- Eu sou uma caçadora, sim? Preciso ter meus contatos em todo o lugar – Disse ela, puxando uma piteira da bolsa e acendendo um cigarro. – E Nori é um rapazinho muito bom, eu gosto dele. – Falou, e Susumu franziu as sobrancelhas ao ouvir o nome do outro sem um “-san” ou “-kun”. – E já que estamos nesse assunto, e o presente que meu marido te deu, Nori? Ainda está inteiro?
- Mais ou menos – Disse ele, bocejando. – Não tenho com quem jogar, então...
- É que eu trouxe outro para você – Falou a moça. – Só que não está comigo agora. Sabe onde é o hotel Tsutsuji? Eu estou hospedada lá. Passe lá mais tarde, sim?
Ele concordou com a cabeça, ela acenou para os dois e pôs-se a andar, sumindo da vista de ambos.
Após um silêncio constrangedor, Susumu levantou os olhos para o outro rapaz e perguntou:
- Quem era ela, afinal?
- Uma amiga minha que vive do outro lado do mundo.
- Elabore, Nori-san... – Suspirou. – Estávamos aqui quando de repente ela surge e vai embora em um piscar de olhos. Ela é uma caçadora como você? Tem um clã?
Nori pensou por alguns momentos, olhando em volta, e provavelmente pensou em deixá-lo abandonado lá, mas deu de ombros e falou:
- É uma longa história.
- Então pode desembuchar, temos o dia todo.
- Psh. Insistente. Sim, o sistema de caçadores é o mesmo no mundo todo: Uma família em especial que mantém esse poder desde o começo dos tempos e forma um clã de caçadores, pacificadores e criadores. Susumu-kun, eu realmente preciso explicar tudo para você? A história é diferente da nossa. Enquanto aqui nossa sociedade foi evoluindo sem a interrupção externa, a do mundo é diferente. Os ancestrais de Hamaryo-sama eram os grandes caçadores da região sudoeste da África; você sabe onde fica a África? É um continente enorme, seu idiota.
- Eu sei onde fica a África e não precisa procurar motivos para me ofender gratuitamente, seu idiota.
- Não parece e eu não preciso procurar motivos para te ofender gratuitamente, você mesmo é uma piada ambulante, Susumu-kun. Posso prosseguir a história?
- Eu nunca te impedi disso, você é que cisma comigo, babaca.
- Creio que seja o contrário, palhaço. Então, com a escravização, os ancestrais dela foram levados para este Brasil, forçados a trocar de nome inúmeras vezes, provavelmente se envolveram com caçadores nativos e portugueses e agora não há um grande clã em nome e sim várias famílias separadas, mas unidas por sangue, espalhadas por todo o território americano. Entende?
- Então os Hamaryo não são o clã de caçadores de lá?
- Você não prestou atenção no que eu disse. – Falou Nori, com uma expressão de desprezo tão grande que o outro rapaz conseguiu sentir medo.
Susumu virou os olhos, suspirando.
Ele era tão difícil de se lidar com...
- Tá. Vamos tentar outra coisa. Qual foi o presente que o marido dela te deu, por pura curiosidade?
- Oh? – Fez o caçador, se sentando no meio-fio de novo, e pela primeira vez Susumu reparou nas meias cinzas que ele usava, que apareciam quando a calça levantava um pouco. – Ah, uma bola de futebol.
- Você gosta de futebol, Nori-san? – Perguntou ele, pasmo.
O garoto balançou a cabeça afirmativamente.
- Nunca me contou...!
- Você nunca perguntou.
- Eu achei que era o único!
- O que você quer de mim?
- Hm?
- Você quer algo. O que é?
- Eu nã-
- Fale logo. – Disse ele, encostando a cabeça nos joelhos.
- Beeeeeeem... Agora que você revelou que gosta de coisas que eu gosto também, por que nã-
- Não.
- Hã?
- Não vou jogar futebol contigo.
- Por que não?
- Porque não se joga só com dois.
- Nem tentar? Eu quero te humilhar em outra coisa além de shogi e natação.
Silêncio.
Nori levandou o dedo médio para o garoto, que riu.
- Viu? Você acha graça...
Mais silêncio.
Será que ele havia realmente se ofendido?
- Nori-san?
- Que é?
- Ficou calado de repente...
- Você está muito mal acostumado. Acho que vou voltar a te ignorar – Disse, virando o rosto para o outro lado.
- Ah, pelo amor, não vá começar com isso de novo, Nori-san. – Bufou o garoto, sentando-se ao seu lado. – Que horas a reunião termina, mesmo?
Ele deu de ombros.
- Imagino o que você saiba. – Falou Susumu, perturbado. – Você é meio alheio a tudo, não é?
- Hmhm.
- Por que?
- Por que eu não seria alheio a tudo?
- Porque você está imerso nesse mundo? Olhe, Nori-san, é como se aqui fosse um colégio, tá? Deixa eu me explicar, não me olha desse jeito. Se você não prestar atenção em nada, coisas ruins ocorrem. Entendeu?
De novo, deu de ombros.
- Nori-san, você me incomoda profundamente.
Na segunda vez que ele repetiu o ato, Susumu levou a mão à testa e se levantou.
- Tudo bem, eu vou embora, já que é isso que quer.
- Vai pela sombra.
- Não acredito que você está realmente me dispensando assim.
- Você falou que ia embora, eu estou te desejando uma boa ida – Disse Nori, bocejando.
- Você é muito, mas muito, mas muito desagradável, sabia? – Falou o rapaz, se espreguiçando.
- É o que costumam me falar...
Silêncio.
Susumu bufou e chutou um papel amassado em formato de bola, pondo as mãos nos bolsos; olhou para o céu, para a casa dos Akiyama e, quando voltou o olhar para o teimoso estúpido metido, viu que ele estava o encarando, concentrado.
Passou a mão no rosto, tentando achar o que havia de tão errado assim para ter dois olhos pretos grudados nele.
- O que é?
- Só estou te olhando – Disse ele, piscando.
- Por qual motivo?
- Preciso ter um?
- Geralmente sim, Nori-san. Está esperando eu ir embora?
Quatro vezes.
Quatro vezes que ele dava de ombros.
Estava o irritando.
Então iria jogar o jogo dele, sim?
Encarou-o, sem piscar, e suprimiu o sorriso quando ele perguntou:
- E você?
- Hm?
- Por que está me olhando?
- Preciso de um motivo?
Ele sorriu e Susumu teve que se assustar.
- Tudo bem – Ele disse, ainda sorrindo, e encostou a cabeça nos ombros, ainda o olhando. – Mesmo que você seja um palhaço psicopata perturbado e me persiga até a puta que pariu, você é parcialmente suportável.
- Quer dizer que gosta de mim. – Arriscou.
- Hm?
- Gosta de mim, Nori-san.
O caçador franziu as sobrancelhas e perdeu o sorriso.
- Por que pergunta?
- Não perguntei, Nori-san. Afirmei.
Novamente levantou o dedo do meio e virou o rosto.
- Ah, por favor. Você sorriu pra mim, disse que eu era suportável, não me ignora nem me repele como mês passado, me deixa ir na sua casa, eu já te levei para o hospital e-e Nori-san, aonde vai?!
- Para casa, Himura-san volta sem mim – Falou ele, ajeitando os sapatos e acenando para ele. – Te vejo mais tarde.
- Oh, não vai! Nori-san, seu babaca enorme, fique aqui e encare o que estou dizendo feito um homem! – Berrou, o puxando pelo gakuran.
Ele não avisou – Só se virou com a mão em punho e parou a dois centímetros da bochecha de Susumu.
E este não percebeu e nem deixaria ele chegar perto assim sem apanhar junto, e realmente deu um soco no rosto do caçador.
Ele cambaleou para trás, pasmo, e limpou, com as costas da mão, o corte em seu lábio superior.
Silêncio.
Susumu já estava quase desistindo – Ia se jogar aos pés dele e implorar por desculpas, que fora só reflexo, mas perdeu toda a coragem de ser miserável quando ele começou a rir.
Espere...
Havia algo de errado.
Ele era um masoquista maluco assim?
Rindo...
Era a primeira vez que via ele rir.
E rindo alto.
Meu Deus.
Queria correr para o mais longe possível. Havia algo de muito errado.
- Você está ficando u-um pouco menos idiota, Susumu-kun – Disse o caçador, enxugando as lágrimas que haviam saído depois da crise de riso. – Estou bobo...!
O garoto pensou em responder, mas ele prosseguiu:
- E não é tão fraco quanto eu pensei!
Àquela altura, os dois criadores que tomavam conta da casa já haviam se aproximado do portão, olhando o que havia acontecido.
- Nori-san, você... Você está bem?
- Estou, estou – Disse, parando para respirar. – Foi só... Engraçado.
- Engraçado?!
- Sim!
Ficou sem resposta, só o encarando até voltar ao normal, mesmo que ainda sorrindo – Certo, então talvez ele não estivesse tão normal – E agitado.
- Não vi graça alguma, Nori-san... – Murmurou ele.
Ele se recostou na parede perto dos criadores, cruzou os braços, riu um bocado e voltou a o encarar.
- Então, Susumu-kun, o que fazia, mesmo? Ia embora?
- Não, seu grandessíssimo babaca – Disse o garoto, batendo o pé. – Eu disse que...
Ia terminar com um “você gosta de mim”, mas lembrou dos dois homens que ainda o encaravam – A Susumu, não a Nori, como se o maluco fosse o normal e o normal fosse maluco por tê-lo feito rir – Aquele filho da puta havia calculado tudo então? – E calou a boca.
- Eu quero falar contigo em particular, Nori-san. – Prosseguiu, bem mais tímido agora.
- Oh, vai dar uma bronca em mim?
- Exatamente – Sussurrou, com as mãos em punhos. – Eu vo-
- Vai o que, moleque?
- Himura-san, eu já disse que é “Susumu”! – Berrou.
O médico o encarou, estranhando, comentou uma ou duas coisas com os criadores e saiu da residência, segurando o casaco do terno em uma das mãos.
- O que está fazendo aqui?
- Eu? Achei que Nori-san iria querer companhia – Falou, franzindo as sobrancelhas.
- Oh. – Respondeu Minoru, de sobrancelhas igualmente franzidas. – Você acha muitas coisas. Achismo não muda o mundo, moleque.
- Blábláblá – Rebateu Susumu, mostrando a língua.
- Está estressado por algo?
- O SEU Nori-san está sendo um filho da puta comigo sem motivo algum mesmo depois de eu ter feito ele rir. Ah, também, ele é um masoquista. Tomou um soco e achou graça.
Minoru levou os olhos para Nori, que assobiava uma canção qualquer e já estava de volta com a cara de nada, e então para Susumu, que estava obviamente o desprezando do fundo de sua alma, e para Nori de novo, e puxou o caçador e o rapaz pelos pulsos, como se fossem duas crianças idiotas brigando por brinquedos.
- Vocês não sabem ficar nem meia hora sozinhos sem brigar? – Disse ele, olhando feio para ambos. – E Nori, por que não entrou?
- Não quis.
- Só isso? “Não quis”? Muito bonito, hm?
- O que teve de importante lá?
- Em casa eu explico. Eu vou te deixar em casa, sim, Susumu-kun?
- Por que? Você me acha uma criança? Sou tão velho quanto Nori-san, sabia?
- Porque agora vamos fazer negócios, moleque, e você realmente não vai querer estar lá.
Olhou estranho quando Susumu fez a maior cara de nojo ou surpresa que ele já havia visto e Nori desviou o olhar, envergonhado.
- E-eu acho que realmente não v-vou querer estar lá – Murmurou o garoto.
- Não, seu idiota, eu nã- Eu nã- Vamos discutir o que foi passado na reunião, só isso!
- Oh, eu assim espero – Prosseguiu, olhando para baixo. – Não me incomodo de estar lá se for assim, claro.
- Mas eu me incomodo!
- Vai fazer negócios reais com Nori-san, seu pederasta?!
- N-não é isso, e para quê você quer saber, moleque?!
O caçador não pôde fazer nada além de fingir que não ouvia.
Mas, finalmente longe daquele lugar...
Já era um alívio, sim?














- Ei, Nori-san. Nori-san, está me ouvindo? Nori-saaaaan? – Falou Susumu, cutucando-o na bochecha. – Himura-san, ele não quer acordar! Será que morreu?
- Deixe-o dormir, Susumu-kun!
- E quando essa comida sai? Você cozinha bem feito ele, né?
- Não, já disse, e vai ser algo simples por causa disso, e você está começando a aumentar as despesas aqui de casa.
- Nori-san, Nori-san, Nori-san, Nori-san, Nori-san, Nori-san, Nori-san...
- Deixe-o dormir, já diss!
- Nori-saaaaaaaan, preciso falar contigo, Nori-san, Nori-san, Nori-san, Nori-as-
Recebeu uma mãozada na cara.
- Nori-san, acordou! – Disse, animado, com a voz abafada pela mão do caçador.
- Você me incomoda... – Murmurou o rapaz, com a voz pastosa de sono, pondo uma almofada por cima da cabeça, atingindo a dele no processo.
- Eu preciso falar contigo! Você chegou e foi dormir, mas que saco.
- Falar o quê...?
- Coisas em particular, Nori-san. Está disposto a me ouvir?
- Cinco minutos...
- Você não vai poder adiar isso pra sempre, sabe?
- Oh, tem razão – Disse ele, se sentando, passando as mãos pelo rosto como se para acordar de verdade. – Preciso ir lá na tal hospedaria onde Hamaryo-san está. Himura-san, volto em uma hora!
- O QUÊ?!
- Não grite, Susumu-kun, eu preciso ir mesmo, ela me chamou – Disse Nori, se espreguiçando. – Himura-san, me ouviu? Guarde um pouco do que sobrar para mim, por favor!
- Nori! – Berrou Minoru, aparecendo da porta da cozinha e puxando o rapaz pela gola do gakuran, o jogando de volta no sofá. – Não, não vai, você sai sempre assim aleatoriamente e me deixa sozinho, hoje vai ficar aqui e vai comer a maldita janta e não vai voltar tarde da noite. Eu preciso conversar contigo sério, Nori, então fique aí e coma, certo?
- Então tenho duas conversas sérias para hoje ainda? – Perguntou o rapaz, olhando-o ligeiramente assustado, e voltando o olhar para Susumu. – Não é demais para uma pessoa só?
Susumu abriu a boca para falar algo, mas Minoru logo o cortou, puxando uma cadeira, apoiando os pés em um dos braços do sofá e suspirando.
- Você está começando a perder foco, Nori, e agora é quando mais precisamos de foco.
- Oh, por favor, não sou eu que vou ganhar três dias de férias a custo das caçadoras. – Bufou ele, recostando-se em Susumu, que franziu as sobrancelhas.
- Está perdendo foco! – Disse, mais alto. – Passou a se largar por todos os cantos e esquecer de fazer o que deve fazer. Prefere ficar conversando a fazer o que precisa.
O caçador fechou a cara e escorregou ainda mais contra o garoto, agora com a cabeça em seu cotovelo.
- Olhe só. Já está com essa cara. Sabe como isso vai acabar, Nori?
- Sei.
- É só assim que me responde? “Sei”?
Não houve resposta.
E Nori já estava com a cabeça no colo do outro rapaz, e Minoru estava cada vez mais zangado.
- Amanhã eu não quero saber de você saindo a não ser para ir caçar.
- Hm? – Fez Susumu, levantando os olhos para ele.
- Eu já tenho dezesseis anos, Himura-san. – Falou Nori, ligeiramente mais puto.
- Não é adulto, eu ainda sou seu responsável e digo que você não vai sair até voltar ao que era antes. Além do mais, suas notas estiveram caindo. Quero ver você estudando, não quero saber de notas abaixo de oito.
- Por que essa súbita mudança de comportamento, Himura-san...? – Perguntou ele, abraçando a cintura de Susumu enquanto olhava nos olhos do médico.
O moleque se espantou com a súbita aproximação, mas pôs a mão na cabeça do caçador e a acariciou uma ou duas vezes, com o coração na boca.
Sabia que estava sendo usado...
Sabia que aquilo era só um jeito de Nori criar ciúmes e se satisfazer com o sofrimento alheio e que ele nunca faria isso caso não estivesse irado com Minoru.

Estava enojado e enjoado.

Mas até que gostava da expressão de asco do médico, que crescia a cada vez que passava os dedos pelos cabelos embaraçados de Nori.
Ele realmente parecia zangado a ponto de o expulsar daquela casa...


Espere, espere, não podia fazer isso.


Nori era mesmo um filho da puta.
Estava o evitando e agora estava o abraçando daquele jeito...

- Nori-san, não acho que-

Foi interrompido por ele apertando ainda mais sua cintura, como se o mandasse calar a boca.

- Himura-san, você ainda não me respondeu...
- Eu quero o seu bem – Disse ele, como se tivesse desengasgado a resposta. – Só isso.
- É um problema, não é? O meu bem implicaria diretamente no mal a todos os outros.
- Nori...
- Tudo bem.
Com aquilo, Minoru se levantou com tamanha violência que derrubou a cadeira.
- Você é muito, mas muito arrogante, Nori! Acha que eu vou deixar você ficar de mimimi e dizendo que está tudo bem para tentar passar uma imagem superior, moleque?!
Susumu sentiu ele o apertar mais uma vez.
- Não é isso. Eu só quero que você me diga que há algo de muito errado comigo e que eu preciso mudar para que os kanjou não saiam atacando a tudo e a todos...
- Eu já disse isso, seu babaca mirim, mas você estava distraído demais com ele.
- Não tente disfarçar dizendo que é para o meu be-
- Hm?
- Nada.
- Nori, dá para falar?
- Não é nada.
- Vou quebrar seu pescoço.
- Pode quebrar. Não faz ma-

Em um momento, Nori estava deitado em seu colo...

No outro, estava no chão, e quase havia o levado junto?!
Espera, Minoru tinha mesmo quebrado o pescoço dele?!

- Você precisa aprender algumas coisas, molequinho. – Sussurrou o médico, soltando os cabelos dele. – Você é realmente irritante; por que você não ao menos tenta ser mais feliz ou algo do tipo, ao menos lutar pelo seu bem-estar, qualquer coisa do básico da sobrevivência?! – Falou, pisando na cintura do caçador, e Susumu viu que ele realmente fez força antes de tirar o pé dele. – Eu já te disse isso tantas vezes, por que você não reage...?!
- H-Himura-san, pare, por favor – Murmurou Susumu, se levantando. – Por favor!
- Vá para casa, isso é um assunto meu e dele, só – Falou, levantando Nori por debaixo dos ombros e o jogando sentado no sofá, feito um boneco de pano. – Você vai me ouvir agora, moleque. Por bem ou por mal, você vai precisar reagir.

O caçador franziu as sobrancelhas, passando a mão onde havia sido pisoteado.

- Himura-san, por favor, n-não há outro jeito de consertarem isso? – Perguntou Susumu, se levantando.
- Vá para casa, eu já mandei.
- Eu não...
- Vá para casa, Susumu-kun.
- Mas...

Virou o rosto para Nori – Ele continuava de cara feia, mas o olhou e aquele olhar quase dizia “você não vai embora, vai?” ou “fique mais um pouco, por favor” – E para Minoru.
Se fosse, o caçador iria apanhar ou coisas muito piores, certo?
Então, não podia ir, certo?
Ele era a única coisa que protegia Nori, certo?

Que irônico!

E não era a primeira vez que ele fazia isso...!

Então era, essencialmente, quem decidiria se ele ia aparecer com outro olho roxo no dia seguinte ou não?

- Eu vou ficar aqui, Himura-san.
- Hm?
- Não posso deixar ele aqui...
- O que quer dizer?
- Bem...
- Terei que tomar atitudes drásticas se você não sair, Susumu-kun. Quer, por algum acaso, que eu corte logo os laços entre vocês dois e fale com seus pais?

Sentiu o coração ficar pesado. Ele não podia fazer... Isso, podia?

- M-me perdoe – Disse Susumu, abaixando a cabeça e olhando o caçador, que arregalara os olhos, de canto de olho. – Me perdoe – Repetiu, e não teve certeza a qual dos dois esse pedido se digiria.
- Se eu puder abusar da sua boa vontade, Susumu-kun, não volte mais aqui.
- O-o q-q-quê?! – Gaguejou, horrorizado, sentindo as mãos tremerem.
- OK. – Falou, levantando dois dedos. – Duas semanas, então. Eu realmente odeio atrapalhar a amizade de vocês, mas é para o bem de ambos. Então, agora, vá embora e vá pela sombra.

O rapaz deu um passo para frente e teve seu pulso segurado por Nori, que estava mais que obviamente desesperado.
Ficou exatos onze segundos que pareceram uma eternidade olhando para ele, até que se desvencilhou e saiu pela porta que Minoru segurava aberta, querendo virar o rosto uma última vez para vê-lo, mas sem coragem de o fazer.

Ao ouvir a porta sendo batida logo às suas costas, abaixou o rosto e se sentou na soleira, abraçando os joelhos.

Com a respiração pesada, não querendo chorar por algo tão idiota – Ora, só não veria Nori direito por duas semanas seguidas e quando voltasse, ele provavelmente estaria tão mudado que não o reconheceria – E com os olhos já embaçados, os fechou e trincou os dentes ao ouvir Minoru falando alto.
Enxugou a umidade em seus olhos e puxou todo o ar que podia ao ouvir um grito de susto e provavelmente dor, tampando as orelhas também.

Levantou-se e foi embora, querendo ficar o mais longe possível daquilo, já que não podia fazer nada...


Em casa, sentiu-se desolado.
Fez os deveres, arrumou o quarto, se deitou na cama e ficou pensando...

Quando seus pais tentaram perguntar o que havia de errado, ele desconversou.

Tentou dormir, mas, quando o relógio marcou duas da manhã, decidiu parar de se martirizar e ficar apodrecendo.
Sentou-se na cama, pôs os zouri e começou a andar pelo quarto, parando quando viu que estava apenas indo em círculos. Suspirou, levou a mão ao rosto e foi até a janela, quando notou que ela o lembrava de Nori, e quis se distanciar dela para que as memórias não voltassem e voltasse a ficar triste.
Mas algo o chamou a atenção.
Às duas da manhã, uma pessoa parada logo debaixo do poste de luz do outro lado da rua?

Ficou a encarando por alguns momentos, até ela virar de lado e começar a se distanciar.


Abriu a janela com todas as forças, sentindo no rosto o vento que vinha antes da chuva e berrou o mais alto que podia:

- NORI-SAN!

E vendo que ele não o ouvira, prosseguiu:

- NORI-SAN, ESPERE! VOLTE AQUI!

E ele parou e se virou, o olhando.

- C-como tudo vai ficar, Nori-san?! Quando vamos poder nos ver de novo?! – Continuou gritando, a voz falhando enquanto enxugava as lágrimas.

E o caçador levou um dedo à boca, como se o mandasse ficar em silêncio.

- N-nori-san...

E foi embora.

Então era isso?
Era assim que terminaria?
Era isso que Minoru tentara dizer desde o começo? Que Nori era uma boa pessoa, mas nunca poderia ficar com os outros?!
Desgraçado, desgraçado, DESGRAÇADO!
Iria o matar assim que o achasse!
Matar os dois, para ser mais exato...!

Se odiou por saber que estava chorando de saudades já antes ao menos de dar tempo para sofrer e soube também o kanjou que tiraria o sono de Nori aquela noite.

Talvez assim ainda estivessem conectados...


Deitou a cabeça no travesseiro, cansado de lutar para não fazer barulho, e fechou os olhos, apático.

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