quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Férias.

Praia, nem tanto sol, nem tanta água fresca.

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Capítulo Três - Parte Dois - Confiança; deixar-se levar

- Você estava mesmo desligado, eh?

- Sim, estava. Pensando na vida.

- Na vida?
- Sim, Himura-san.
- É? Quem costuma pensar na vida é o Nori.
- Bem, ele tem muito o que pensar...
- Verdade. E aí, já decidiu sobre quando vai parar de nos perseguir?
- E-ei!
- Estou brincando, pirralho. Brincando. Aqui, é para pegar o bonde, não saia andando assim direto, volte aqui. A viagem será longa.
- Longa?
- Mais ou menos quarenta minutos.

Então, entrou Nori, depois Minoru e, finalmente, Susumu. Sentaram-se os três no fundo do carro e não demorou muito para o Kurosawa cruzar os braços, abaixar a cabeça e cair no sono.
Ficou o outro rapaz o olhando com infinita pena, enquanto o médico olhava a paisagem e segurava o maldito bolo nas mãos.
- Eh, Himura-san?
- Sim?
- Ele vai ficar dormindo aí?
- Por que não?
- Não acha incômodo?
- Vou o acordar para, quando chegarmos na residência dos Akiyama, ele se deitar num sofá e dormir mais?
- Não era bem o que eu... Mas... E se... E se algo acontecer? – Perguntou o garoto, cruzando as pernas.
- Algo em que sentido?
- Um kanjou.
- Se acontecer, ele vai acordar.
- Tem certeza?
- Não.


E a viagem correu bem por uns bons minutos. Susumu chegou até a pensar que nada de esquisito ocorreria naquele dia – Afinal, já era quase dez, onze da manhã e não havia visto sangue em lugar algum. Não importava se Nori estava se mexendo tanto que parecia capaz de acordar gritando. Nada iria estragar seu dia.

Então, ele abriu os olhos e ficou encarando a tudo com até espanto antes de se levantar e ir andar pelo carro, com as mãos nas costas.

- Achou algo? – Perguntou Susumu, apoiando os cotovelos nos joelhos.
- Foi só um pesadelo, imagino – Disse o médico, cruzando as pernas.
- Ele...
- Não todas as vezes.
- Você quer dizer que ele não fica assim todas as vezes quando tem pesadelos?
- Sim.
- ... Não é incômodo?
- É, mas fazer o que? De qualquer jeito, fique frio. Não demora muito se não pararmos pra pensar. Só olhe a paisagem e deixe ele.

O fez, mesmo que sem conseguir parar de voltar sempre os olhos para certificar que ele ainda estava de pé e vivo.

E assim foi por quase uma hora. Quando finalmente saltaram, ele parecia o único exausto da viagem, mas também o único aliviado de ainda nada de esquisito ter acontecido. Na verdade, era o que mais estava pensando – Na possibilidade do dia ser normal. Conhecia os dois fazia muito pouco tempo, mas já queria que ficassem bem – Ou que sua pele ficasse bem? Na verdade, tanto fazia, não fazia? Em alguns encontros com kanjou, o único ferido fora Nori, mesmo quando Susumu estava logo na frente da criatura. Não haveria de ser diferente assim, haveria?
Virou-se e acompanhou os dois, que andavam até um portão bastante decoado, e se espantou com a extensão da resisdência dos Akiyama. Ora, dizendo “residência”, Susumu imaginava uma casa ou duas, ou um pequeno conjunto de casas, no máximo quatro ou cinco, ou uma parte da rua que magicamente fora comprada pela mesma família. Não imaginava uma coisa semelhante a uma mansão – Não, não era semelhante a uma. Era uma. – Ocupando metade de uma rua e com tantas, mas tantas árvores, e aparentemente tanta gente que o rapaz se perguntou como seria possível viver lá por uma semana sem se perder.
Quase se deixou se perder, na verdade, quando não notou, de começo, os dois indo na frente. Os alcançou rapidamente, correndo, e não gostou muito do olhar que Nori lhe lançou.
Mas tanto fazia, não? Desde que ficasse protegido...

Afinal, estava no antro dos caçadores...

E Minoru estava indo na frente e falando com uma moça qualquer, provavelmente uma porteira ou empregada, e provavelmente pedindo permissão para entrar...

- Nakahara-san – Murmurou Nori, pondo as mãos nos bolsos.
- Eh? S-sim?

Foi até ele ao vê-lo fazer um gesto com a cabeça para que se aproximasse e esperou, ao seu lado, o médico os chamar.

- Aqui é meio grande – Disse Minoru, olhando em volta. – Mas você logo se acostuma. Fique com o Nori e tente não se perder dele. Quando vierem falar contigo, o faça normalmente e não responda perguntas pessoais. Deixe que eu e ele fazemos isso. E, Susumu, você vai ver coisas muito esquisitas aqui, então por favor tente segurar sua carinha ridicula de nojo.
- Que tipo de coisas estranhas?
- Muita gente. Muita gente ferida. Muita gente doente, também. Aqui serve como um grande hospital para os caçadores Akiyama. Quem aqui não é ou foi caçador, é pacificador. Alguns poucos são criadores. O resto são idiotas alheios a tudo.
- Pacificador? Criador?
- Oh, acho que esqueci de te explicar – Murmurou ele, pondo a mão no queixo. – Nori, o faça, sim?
- Mas eu nã-
- Vamos lá, você está tão falante hoje, vamos manter esse nível! – Sorriu Minoru.

O outro rapaz franziu as sobrancelhas, levou os olhos a Susumu, escolheu as palavras e disse, do modo mais lacônico e resumido possível:

- Pacificadores impedem que kanjou se formem. Criadores os criam.


Aquilo deixou o outro rapaz mais confuso que antes.

- E... Como pacificadores fazem isso? E criadores não seriam ruins para os Akiyama?

Nori olhou para o médico.

- Sua vez. – Disse.
- Eh... Pacificadores são pessoas que não trabalham diretamente com os kanjou e sim com as pessoas. Evitando o problema, evitam emoções em excesso. Por exemplo, um-
- Psicólogo. – Interrompeu Nori.
- ... É um pacificador. Um-
- Psiquiatra.
- -É um pacificador. Um-
- Médico.
- -T-também é um. E na verdade, mocinho, muitas vezes um amigo pode servir de pacificador – Falou, olhando para Susumu e para Nori inúmeras vezes, até o último franzir as sobrancelhas pela enésima vez.
- Eu nunca tive excessos. – Murmurou o caçador, olhando feio para o outro. – Se, um dia, eu estiver prestes a ter um, procuro ajuda médica, não, hm, gente qualquer que não entende da situação.
- Me desculpe por ser um qualquer e não entender da situação – Disse Susumu, fingindo uma cara feia.
- Cale a boca e vá pensar sobre mim.

Aquilo realmente o calou, fazendo-o apenas criar uma expressão assustada e abestalhada.

Minoru soltou algumas risadas idiotas e prosseguiu, andando, confiante:

- Um criador é útil quando ele consegue controlar bem o que sente e usa isso pra criar kanjou e usá-los contra os outros kanjou. Me entende?
- E-ele acabou de me dizer para – Gaguejou Susumu, apontando meio que debilmente para o outro, que rolou os olhos e deu alguns passos para a frente.
- Me entende?
- Mas e-ele-
- Moleque – Murmurou Minoru, levantando uma sobrancelha. – Se você veio conosco só por causa dele, me diga que imediatamente te ponho no bonde de volta.
- Não é isso! – Disse, passando as mãos nos cabelos. – Não é nada disso! Eu mal o conheço! É só que, que, bem, que ele... Ele... Ele falou aquilo de brincadeira, não falou? Só quero saber isso. Falou, não falou? Então perfeito! Não há mais o que discutir! E sim, eu entendi, criadores criam kanjou e pacificadores impedem que kanjou surjam, podemos ir?

Então, sem esperar uma resposta, apertou a barra da camisa, abaixou a cabeça e, com uma expressão perturbada, pôs-se a andar. Mal viu que Nori e Minoru trocaram alguns olhares que falavam mais que os monólogos de seu professor de Filosofia e definitivamente diziam bem mais que eles; tanta coisa que, mesmo se olhasse, não teria conseguido identificar o que queriam passar.
Não custou muito para o sol parar de bater nos olhos do garoto cabisbaixo. Parou na porta e deixou Minoru e Nori entrarem, não percebendo exatamente que o último havia parado, dado meia volta e ido até ele, parando na sua frente e o olhando de cima.
- Vamos. – Disse ele, olhando para o lado.
- Olhe, Kurosawa-senpai, eu estava pensando bem e-
- Vamos.
- -Eu acho melhor eu ficar por aqui, porque-
- Vou pedir mais uma vez. Vamos.
- NÃO, Kurosawa-senpai!
- Sabe que não me incomodo de você me chamar pelo nome.

Aquilo desnorteou um pouco o rapaz, que balançou a cabeça e prosseguiu:

- Eu prefiro ficar aqui, Kuro-
- Nori.
- -sawa-
- Nori.
- ... Nori-senpai.
- Obrigado. Vamos?

Com aquilo, pegou-o pela mão e tentou dar alguns passos, mas mais que rapidamente o outro retesou-a, olhando-o, abismado.
Ficaram alguns momentos calados, até que Nori deu de ombros e foi.


O que havia... Acontecido?

A mão dele era tão gelada...


- Nakahara-kun! Vai ser a última vez que vou te chamar!


Tão, mas tão gelada...


- Estou indo!


Mal o conheço, mal o conheço, mal o conheço, ele não é Noriko e sim Nori, mal o conheço, ele me odeia e eu também o odeio, quero que ele morra e vice-versa, quero ver ele ensanguentado e – Não, não quero, isso me faria querer ir ajudá-lo e...

- Está pensando sobre mim de novo, Nakahara-kun? – Perguntou o outro, entre risos.

Não pensar nele, não pensar nele, não sorrir com ele sorrindo, manter-se sério e-

- Sim!

Ele abaixou a cabeça e sorriu um pouco como costumava fazer quando estava envergonhado, soltando um “heh”, como se não conseguisse acreditar.
- Vamos logo. Não nos esperarão para sempre.

... Então, era aquilo? Estava convencido?

Simplesmente com um sorriso e um pedido simples?

Não podia ser. Não mesmo.

Ao entrarem na enorme casa, Susumu se viu entre dezenas de pessoas que não pareciam exatamente amigáveis. Todas andavam concentradas em seus afazeres, cabisbaixas, focalizadas, sérias. Todos os caçadores eram assim, então? Ou envolvidos naquilo. Não deixou de as olhar, abismado, mesmo depois de Nori ter o puxado pelo braço até um quarto em particular.
Pararam os três na frente deste, Minoru batendo o pé no chão, ansioso para que abrissem logo as portas. Assim que o fizeram, entraram o médico e o caçador, e o estudante ficou para trás.

Aquela era Yuzuki?
De rosto ferido e cheia de curativos nele, mas ainda com aquele rosto solene de sempre?
Com um esparadrapo e gaze acima do lábio e sangue manchando tudo...

Deu um passo para trás, assustado, e a moça virou o rosto para vê-lo melhor.

- Bom-dia, Yuzuki-kun – Disse Minoru, sorrindo. – Nós viemos apenas agradecer por ontem.
- Não se incomodem – Disse ela, voltando a olhar o nada.
- Trouxemos bolo.
- Muito obrigada. Podem deixar ele aí.
- Não vai-
- Eu mal posso falar, Minoru-san. Me perdoe, mas não poderei comê-lo agora.
- Me desculpe.
- Eu é que peço.
- Então acho que vamos agora, Yuzuki-kun. Mil perdões pelo que lhe aconteceu ontem e desejamos melhoras.
- Pode chamar Nori-kun, por favor?

O rapaz, ao ouvir seu nome, levantou as sobrancelhas e foi até a moça de kimono sentada no chão.

- Sim?
- O que houve com você?
- Hm?
- Está fraco. Amolecido.
- Sim. É a escola.
- Último ano?
- Sim.
- Deseja alguém para te substituir?
- Não.
- Certo. Boa sorte, Nori-kun.
- Nos vemos mais tarde. Desejo melhoras.

Saiu e olhou para Susumu, que jazia confuso, e deu de ombros, como se já estivesse acostumado àquilo e que fosse a coisa mais normal do mundo.
- Vamos voltar para casa – Disse Minoru, coçando os cabelos. – Preciso fazer uma coisa lá. Está convidado a ir lá também, Susumu-kun, acho que Nori pode fazer outro bolo para-
- Não, não posso.
- -Nós. Nos perdoe caso a ida à residência dos Akiyama não tenha sido o que você esperava.
- Não, tudo bem. Eu entendo.
- Não entende.
- Hm, talvez não.

Na volta, o bonde atrasou quase duas horas. O motivo, disseram, fora que o motorista de um deles havia tido um ataque de pânico no pior momento e perdera o controle da máquina, que tivera que ser removida da linha, com alguns feridos.
Susumu notou que Nori e Minoru se entreolharam por alguns segundos, mas nada disse. Isto é, até o médico, sentado no fundo do carro, comentar:
- Falaram que ele tinha visto um oni.
Nenhum dos dois respondeu.

Ao chegar em casa, Minoru foi o primeiro a tirar o casaco e o jogar em cima de uma cadeira. Pegou papel, tinteiro e caneta, sentou-se à mesa e começou a batucar com os dedos na madeira, pensando no que escrever.
- É uma carta? – Perguntou Susumu, olhando tanto para ele quanto para Nori deixando a boina em cima da mesma mesa.
- Sim.
- Para quem, se me permite?
- Uma... Amiga.
Notou que o outro rapaz havia parado tudo que estava fazendo.
- Amiga? – Perguntou ele, primeiro.
- Sim, Nori. Reika-san.
- Ah, sim. Reika-san. Ela te mandou uma carta e eu não soube?
- Não lembrei de avisar, além de que eu não preciso te mostrar nada que eu recebo.
- Ah, sim. Você gosta mesmo dela, não gosta?
- Muito. É uma grande amiga – Disse Minoru, levantando a sobrancelha.
- Nunca a viu na sua frente. Só se comunicam por cartas...
- Sentimentos não têm limitações e você deveria saber muito bem disto. – Respondeu, soando um tanto grosso aos ouvidos de Susumu.
E Nori franzia as sobrancelhas e recuava como se tivesse tomado um soco.
- Eu não entendo. – Arriscou novamente o caçador.
- Qual parte?
- A parte que...
Passou alguns momentos calado, olhando para baixo, com a boca retorcida, e balançou a cabeça.
- Nada. – Disse. – Me perdoe, Himura-san. Vou lá fazer o bolo. Com licença.



- Psh.


Esquisito.


- Essa sua amiga, Himura-san... Onde você a conheceu?
- Ah, foi por sugestão de um amigo meu – Disse ele, escrevendo a carta. – Ele me passou o endereço dela porque ela trabalha com ervas medicinais e começamos a trocar mensagens.
- Isso há quanto tempo?
- Cinco meses, mais ou menos. Ela é uma grande pessoa.
- Hm, será que será sua esposa algum dia? – Riu, pondo a mão na frente da boca.
- Eu assim espero!


- Psh.





- Você cozinha muito bem, Kuro-
- Nori.
- -sa-
- Nori.
- Nori-senpai!
Disse aquilo de boca cheia, pois estava tentando pôr um pedaço enorme de bolo de chocolate nela.
- Aprendeu como?
- Com o tempo.
- Hm, Himura-san comentou.
- Claro que sim.
- Hm?
- Ele se orgulha disso.
- De ter um cozinheiro particular?
- De ter alguém que esteja lá sempre para cozinhar para ele.
- Onde ele foi, falando nisso?
- Entregar aquela maldita carta...
- “Maldita”?
- Psh.
- Bem, eu soube de filhos de pais viúvos ou separados que resistiam à chegada de uma madrasta ou padrasto.
- O quê?
- A tal Reiko! – Disse Susumu, fazendo círculos no ar com o garfo.
- Reika.
- Reika. Himura-san comentou que ela...
- Psh.
- Você realmente gosta desses “psh”s.
- Só os faço quando estou incomodado.
- Sério?
- Psh.
- Comigo?
- Não. Com ele. Você vai entender algum dia, Susumu-kun – Disse, levantando-se e se afastando da mesa, indo até seu quarto e gritando de lá: – Eu preciso ir caçar, agora.
- Já?! São quase onze da manhã, só! – Falou o rapaz, levantando-se também.
- Eu nunca disse que teria descanso.
- Mas, Nori-senpai, e-e-e a casa?!
- Você vem comigo. - Disse Nori, abotoando o gakuran, já com o revólver no peito e a kodachi na bainha da cintura.
- MAS-
- Vamos logo. Temos pouco tempo.


Saíram com tamanha pressa e Nori correu tão rápido pela rua que Susumu acreditou que iria perdê-lo de vista em pouco tempo, assim. Ao chegarem na praça principal, um pouco ofegantes – Ou ao menos o rapaz, o caçador continuava intocado – Deram de cara com uma cena peculiar:

Primeiro, o kanjou branco correndo com suas longas pernas e pulando carros e o bonde, no meio das pessoas.

Depois, quando Nori estava correndo já no meio da praça, entre os trilhos e os carros, quase alcançando o kanjou, um dos veículos – Que iria bater no bicho se este continuasse correndo na sua direção – Desviou da rota bruscamente e foi para a direita.


O garoto teve tempo de gritar um palavrão e tentar se jogar para trás ou para o lado, para fugir e voltar a correr atrás da criatura. Em vez disso, sentiu o automóvel bater com força em seu corpo e o impulsionar para trás, fazendo-o cair a uns bons metros do local do impacto, ralando o rosto no processo.

E Susumu só conseguiu gritar – Inclusive no lugar dele – Aterrorizado. Em um momento, ele estava correndo; no outro, estava atropelado?! Sangrando, no chão, caído, talvez desacordado, talvez morto?
Assustou-se ainda mais quando Nori tentou se apoiar nos braços para se levantar, encontrando-se fraco demais para isto e tombando no chão, sussurrando mais palavrões, vendo o kanjou sumir de sua vista. Ele não deveria estar se esforçando assim. Não deveria, não deveria; vai que estivesse com alguma costela ou vértebra quebrada; por que diabos ele tinha que se arriscar tanto?!
Em meio às pessoas curiosas e preocupadas que se encontravam estava o próprio motorista do carro, que repetia, aterrorizado:

- Um oni! Foi um oni! Um oni surgiu para mim!


O rapaz sabia do que ele estava falando, mas preferiu se preocupar com o caçador primeiro. Abriu caminho por entre a multidão – Como no dia seguinte ao seu próprio ataque – E, em vez de encontrar apenas sangue seco no chão, o achou lá, parado, provavelmente sentindo algo dolorido ou quebrado ou, quem sabe, uma ponta quebrada de uma costela roçando seu pulmão ou coração?


- Ei. Nori-san. Ei, Nori-san, está bem? Está me ouvindo? Sou eu. Susumu. Já chamaram uma ambulância para te levar, certo? Não se preocupe com nada. Vai tudo dar certo.

Com enorme esforço, o caçador respondeu, entre os dentes trincados:

- E-eu sei q-que vai. Sempre dá. O-onde está... Himura-san?
- No mesmo lugar de antes. No correio.
- Kisama.
- Onde dói?
- Tudo d-dói. Não é... – Parou, respirando fundo e olhando em volta, imóvel. – Uma dor desconhecida. M-muito pelo contrário. Fui atropelado umas... Duas, três vezes, já. Tudo caçando. T-tudo caçando. Nunca morri. Acho. Ah, acho que bati a cabeça, ela dói tanto – Murmurou, fechando os olhos e esboçando um sorriso ao sentir a mão de Susumu, ou era a de Minoru?, segurando sua cabeça. – Aquele oni... S-se ele voltar hoje, eu... Vou precisar falar com...


Susumu sentiu o coração saltar ao vê-lo fechando os olhos. Tentou o sacodir algumas vezes – Sendo impedido pelas pessoas em volta – E gritou seu nome algumas vezes, sem sucesso.

Então aquele maldito iria decidir morrer lá, hm?


Ah, não. Não iria deixar mesmo.
















- Boa tarde, Nori-senpai.

O caçador abriu os olhos lentamente, demorando a se acostumar à luz do cômodo, mas sem ainda ver algo de verdade. Só formas.

- Você dormiu bastante. Está descansado, Nori-senpa-
- N-nori!
- ... Está descansado, Nori-san?

Balançou a cabeça afirmativamente, olhando em volta. Susumu sentado em uma cadeira, sala vazia, os dois sozinhos, Minoru com uma xícara de-

Minoru?!

Olhou de volta, vendo que não havia ninguém lá.



Uma alucinação?


- Como está se sentindo agora?


Não podia ser uma alucinação.

Por que ele não está aqui? Ele sempre vinha-


- Nori-san?


Ele sempre vinha para me-


- ... Kurosawa-senpai?


E se ele não está mais...-


- Eu acho que já pedi para você ao menos dar uma dica que está me ouvindo e não só ficar olhando o nada com cara de tacho, Nori-san. – Disse Susumu, olhando as unhas e pensando que talvez estivesse na hora de cortá-las. – Você está bem, não está? Quero dizer... Você quebrou uma costela.


Ao menos a dor ao respirar não era sinal de que iria chorar.


- Quebrou uma costela e ficou lá desmaiado por um tempo. Te levaram pra cá e fizeram o possível. Não puderam te abrir e botar tudo no lugar, claro, precisaria de permissão de Himura-san. Disseram que seu caso não é tão ruim – Prosseguiu, tirando uma lixa do bolso e passando-a nas unhas. – Que é só você descansar e ficar parado por um tempo. Huh, quero dizer, alguns meses. E agora, Kuros... Nori-san? – Perguntou, olhando-o nos olhos.


E agora?

E agora?


- Onde está o meu revólver?
- O quê?!
- Acho que vou precisar dele. Onde está?
- O que você pensa que vai fazer, Nori-san?!
- Me preparar para caso algo aconteça.
- Para o que, por exemplo?

Não respondeu e Susumu entendeu perfeitamente os motivos.

- E agora, Nori-san? – Perguntou ele, de novo.

Minoru, ele...


- O que há para ser feito?
- Não sei, o que você faz quando vem pro hospital?

Novamente, o silêncio.

- Não quer dizer?

Mais silêncio.

- Vamos lá, Nori-san. Me diga algo.

Franziu as sobrancelhas. Se não fosse pela voz, teria até confundido; porque o vocabulário e o tom foram os mesmos...

- Eu acho que estou como... Huh... Na posição de te defender, agora... Eu vim como acompanhante, então preciso saber o que você pretende fazer...

Foi respirar fundo, mas sentiu uma pontada no peito e parou, de dentes trincados e expressão de dor no rosto. Não costumava doer. Não mesmo, até porque ele o tratava tão rápido que nem tava tempo de doer...

E Susumu percebera que estava faltando algo. Com toda a certeza.

- Está... Doendo muito?

Nori não estava para papo naquele dia.

Claro, de costela quebrada e sem o médico por perto...

- Sim. – Sussurrou o caçador, virando o rosto.

Ia puxar ar para dizer algo minimamente reconfortante, mas ele prosseguiu:

- Dói muito. Insanamente muito.
- Então chore, se dói.
- Doerá mais.
- Doerá mais?
- Hmhm.
- Ou está dizendo isso porque tem medo de chorar e ter uma overdose?
- Psh.
- É ele, não é? Você está triste.
- Jura?
- Hah, Nori. Não precisa ficar irônico e na defensiva. Não precisa ser gênio ou caçador pra ver que você está triste. Muito triste.
- Sim, estou morrendo de tristeza que ele provavelmente ainda está na fila para comprar um selo e não sentiu que eu fui atropelado e preciso de ajuda como sempre sentiu até então. E daí?
- “E daí”?
- Hm.
- E daí que... Nada. Nada mesmo. Se-ra-bi.
- Sim. Se-ra-bi.



Silêncio.


Susumu ficou estático, olhando os olhos do caçador, que focalizavam o nada. Notou que o direito estava se enchendo de água e – Ele ia chorar? Ele ia chorar?! – Ficou o encarando como se aquele momento fosse muito raro e especial. Porém, ele levantou os olhos e enxugou a lágrima assim que ouviu a porta se abrir e bater e uma pessoa entrar, ofegante.

- E-eu vim assim que pude, Nori! – Berrou o médico, apoiando as mãos nos joelhos e respirando com força. – O-o que houve, meu Deus?!
- Que bom que finalmente chegou, Himura-san! – Disse Susumu, levantando-se da cadeira. – Por que demorou tanto?!
- Eu tentei vir, mas... Mas... As notícias não correram rápido o bastante – Disse ele, apoiando-se na parede. – Mas... Quando eu soube que... Você tinha sido atropelado, Nori...
- Você não veio – Murmurou o caçador.
- O quê?
- Você não veio. – Repetiu ele, no mesmo tom.
- Como pode dizer isso?
- Você não veio, Himura-san – Persistiu. – Susumu-kun disse que eu estou há algumas horas aqui. Imagino que você não esteja mais com a carta que disse que iria entregar, também.



Respirou fundo, mordendo o lábio inferior em seguida, para conter o grito de dor.


- Mas tudo bem – Prosseguiu. – São suas coisas. É a sua vida.
- Não, Nori. Me perdoe. P-por favor. Só hoje.
- Não há nada para ser perdoado.
- Há.
- Não há. Acredite em mim. Você não fez nada de errado.
- Pare com isso, Nori...
- Eu só preciso que você me cure aqui. Só isso.

O médico olhou para baixo e suspirou. Foi até o caçador, puxou uma cadeira, sentou ao lado da cama e apoiou os cotovelos nela.

- Onde está quebrado?

Nori apontou para a costela que se mexia independentemente de sua respiração e olhou para Susumu, de sobrancelhas franzidas. O rapaz o encarou de volta, confuso, e passou os olhares para Minoru, que torcia a boca em desgosto.

- Mas que coisa – Disse ele, levando a mão à boca. – Acho que consigo dar um jeito nisso. Eh, moleque – Falou, olhando o garoto, que ainda estava com a lixa nas mãos, apesar de prestes a deixá-la cair. – Olhe isso. Um pacificador-médico experiente consegue fazer muito melhor, mas vamos lá.

Tocou, com um dedo de cada vez, mas incrivelmente rápido, alguns pontos da área da fratura. Então, o médico pressionou a palma da mão contra o local, e Nori fez uma ligeira expressão de dor.

- Pronto – Disse, batendo as palmas das mãos uma na outra. – Agora é contigo, Nori. Acho que em dois ou três dias você estará bom de novo.
- ... Dois ou três dias? – Perguntou Susumu, pasmo.
- Sim.
- D-dois ou três dias?!
- ... Qual o problema, moleque?
- Mas como assim dois ou três dias?! Caiu de um mês para alguns dias?!
- É meu papel como pacificador-médico acelerar a cura, Susumu-kun – Sorriu Minoru, pondo a mão no peito. – E olha que Nori ainda tem uma taxa de recuperação baixa. Alguns ficam bons em horas.
- I-incrível.
- Eu sei.

Ficaram, pela enésima vez, calados.

Susumu olhou para a porta, pensativo.

Minoru aproximou o rosto do do caçador.

Nori franziu as sobrancelhas e pensou em empurrá-lo.

E, novamente Susumu, que fingiu não ter visto o primeiro beijo, mas se virou para eles no segundo e tentou disfarçar a satisfação ao ouvir Nori dizer, mesmo que em tom baixo:

- Pare. Por favor.
- Mas você não-
- Não.
- Nori, eu-
- Você não precisa tentar pedir perdão por algo normal que você fez, Himura-san. Eu odeio que me forcem desculpas por algo que não precisa disso.

Ele podia suprimir e esconder, mas havia vezes que ficava óbvio demais.

Horas depois, enquanto Susumu digeria o que havia visto e ouvido, na porta do hospital – Ah, aquilo parecia tão nojento, tão errado, mas... Se Noriko não existia, por que não- - O caçador surgiu ao seu lado, de mãos atrás do tronco, e disse, calmo como se nada nunca tivesse acontecido:

- Me perdoe pelo incômodo hoje.
- Não foi nada.
- Vou te acompanhar até em casa e explicar a situação aos seus pais, certo?
- E... E Himura-san?
- Está ajeitando a conta.
- M-mas Nori-san, e o que ele fez contigo?
- Hm?
- O beijo. Ele te beijou.
- Fale baixo.

O rapaz não soube como reagir.

- Eu sei que ele me beijou. E sei que ele não sabe guardar segredos. E sei que nem você, Susumu-kun.

Soube menos ainda quando viu Nori empurrar sua testa com a ponta do indicador, sorrindo, desafiante, e foi na frente.

- Vamos, está ficando tarde.



Foi naquela noite que Nakahara Susumu decidiu dar uma chance ao que começava a sentir e ao que desejava ter.

Rascunhos - Arte não-tão-conceitual


Ao mestre, com carinho.

Kimiko, Natsuko, Chouko...
Chou. Borboleta.
Ainda vão aparecer bastante delas na história.
Desenho feito no colégio (Alguém ainda esperava outra coisa?) em que tentei um estilo diferente. Como dito: Ao mestre, com carinho. O mestre, nesse caso, é Suehiro Maruo, inspiração eterna, autor do melhor mangá eroguro que já li: O Vampiro que Ri, publicado no Brasil, inclusive. Recomendo a qualquer um, menos aos com nojinho extremo. É eroguro, afinal.

... Sim, eu leio guro. orz
Meme nos meus cantos é que tenho mais de 100mb de guro no PC orz
Dessa vez não tenho culpa.



Mas, quanto ao design: Nori de cabelo curto. Muito curto. Isso vai mudar.

Este post saiu menos lacônico porque eu estou com sono.

EDIT: Tanto sono que esqueci de dizer uma coisa. Isto foi desenhado ANTES da pseudo-arte conceitual 2. Anacronismos!

Capítulo Três - Parte Um - Confiança; deixar-se levar

Capítulo Três – Confiança; deixar-se levar




- Nori, acorde.

Sono.

- Está atrasado, Nori.

Atrasado?

- Estamos atrasados...

Que situação desagradável.

O rapaz se sentou, ajeitando os cabelos e os pondo para trás, bocejando logo em seguida. Esfregou os olhos e se espreguiçou, mal notando que tinha o peito nu e tentando se lembrar do que exatamente havia acontecido no dia anterior. Aquele outro rapazote havia o seguido até Ebetsu-shi, então haviam voltado para casa, havia caído no sono e...
Kyofu. Claro.
Dera de cara com o medo e talvez tivesse conseguido o vencer, caso não fosse...

- Nori?

Caso não fosse o que, mesmo?
Susumu? Não, ele havia chegado já quando estava derrotado, de joelhos e pedindo piedade.

Vergonha.

Yuzuki? Não, ela havia chegado no fim, quando estavam ambos morrendo.

Vergonha, vergonha, vergonha.

Realmente temera tanto assim pelo futuro de Minoru? Quer dizer, não parecia assustador agora, lembrando do que o kanjou dissera. Ele apenas dissera que iria torturá-lo e matá-lo e humilhá-lo e torturá-lo ainda mais. Só isso. E realmente soara tão horrível que ficara morrendo de medo na frente do kanjou.

- Nori?

Ele não deveria passar por aquilo. Não era nem um caçador.

Mas era um adulto e sabia se defender, não? Não precisava se preocupar com ele...

- Nori?! Acorde!

Odiava ficar em dúvida quanto ao que fazer, definitivamente... Proteger Minoru, sim, essa seria sua primeira ação.

E agora ele estava na sua frente, o olhando como se fosse a coisa mais esquisita, o cutucando e balançando, e...

Parou.

- Acordou?

O rapaz balançou a cabeça, prosseguindo para estender a mão para pegar seu uniforme jogado em uma cadeira. Enquanto o fazia, o outro ia murmurando, distraído, enquanto pegava o colete e a gravata nas gavetas:
- Faz um tempo que você não dorme na sua cama, eh?
Não se espantou ao não ouvir a voz do outro.
- Não estou dizendo para sair. Só estou comentando.
Pano se dobrando e desdobrando e sendo levantado.
- Nem estou dizendo que você chuta durante a noite, mesmo que, na verdade, eu esteja moído hoje.
O gakuran voava longe e o atingia na cabeça. O médico o pegou, o cheirou e quase que imediatamente afastou o rosto, em nojo.
- Isto aqui pode atrair corvos a quilômetros de distância, Nori. E o pior é que o sangue endureceu e acho que vai dar um enorme trabalho pra tirar. Mas falando nisso, você não estava pensando em usar hoje, estava?
Desta vez, as calças, as quais Minoru também pegou após elas terem atingido sua cabeça em cheio.
- Acho que sim... – Disse ele, sorridente, dobrando as duas peças de roupa e as pondo em cima de uma cômoda. – Hm, me diga uma coisa... O que houve com os botões do seu uniforme? Deu outro a alguém? Assim, senhorito Kurosawa Nori, você vai pro colégio sem roupa. Não vou ficar o tempo todo comprando e costurando botões pra você. – Falou, em tom brincalhão, fechando os olhos.
Bem, não sabia que sapatos poderiam doer tanto quando jogados contra um corpo humano. Esperava que ele jogasse as meias, ou então a camisa, ou a boina ou achava que até mesmo o fuzil doeria menos, mas não. Tinham que ser os malditos sapatos.
- Você não tem o mínimo senso de humor, Nori – Disse, suspirando e se preparando para tomar qualquer outra coisa na nuca. – Pare de ser assim chato desse jeito.
Conseguiu dar um tapa na bola de meias que voava na sua direção antes de atingir seu alvo. Ao ver aquilo bater no chão e ficar, o médico berrou algo que soou como um “Isso não tem graça, Nori!” e bateu no criado-mudo, silenciando todo o quarto. Não que tivesse algo para ser silenciado, claro.
- Que coisa, Nori! – Prosseguiu. – Não aceita mais brincadeiras?
E ficou encarando o garoto seminu que estava de braços cruzados, encarando-o de volta.


Ah, as cicatrizes...
E pensar que, há muito tempo, ele tinha a pele bonita que não lembrava porcelana quebrada. Não que ele se importasse muito. Não que alguém se importasse. Mas, também, não que não doesse ver as marcas dos cortes no peito dele, logo no meio, em cima do coração, e...


Eh? Ele estava saindo do quarto e o ignorando completamente e esse moleque por acaso estava vendo o outro moleque em vez do médico, afinal?

- Nori, o que eu já não disse sobre não andar seminu pela casa?

Som de passos na direção do quarto dos fundos.

- Está irritado com algo, afinal?

Roupas se desdobrando.

- É só me dizer. Pode confiar em mim, você sabe. Me desculpe por ter gritado.

Agora, som de sapatos.

- ... Nori? O que está fazendo?

E ele o encarava, de uniforme, ajeitando o quepe e as mechas do cabelo e procurando sua bolsa, ensopado de perfume.

- Já deve estar tarde. Se eu não correr, não me deixam entrar. – Disse o rapaz, monotônico, e chegou a abrir a porta e dar seus até-mais-tardes. Na verdade, até deu um passo para fora, mas Minoru o segurou antes que pudesse se distanciar demais. – O que há? Esqueci algo?
O médico o puxou de volta e o pôs sentado no sofá.
- Vou me atrasar. Melhor eu ir, Minoru. Me diga o que quer que eu cuido dis-
- Hoje é Sábado.
- -so.
- Não tem aula hoje.
Silêncio.
- Vá tirando esse uniforme. Ponha uma roupa mais confortável e vamos lá na casa da Yuzuki-kun.
Mais silêncio.
O rapaz levou a mão a testa, abaixou a cabeça e ficou lá, parado, pensativo.
- Bem, acho que você esqueceu – Riu Minoru, um tanto sem motivação, e deu um passo para trás apenas para ser segurado pelo garoto. – Mas também, fui te contar tarde da noite, naqueles seus momentos de luci-
Virou-se o encarou mais uma vez. Ele ainda tinha a mesma cara de morto.
- Não se finja de alegre, sabe que eu odeio disso – Murmurou Nori, levantando-se e desabotoando o gakuran. – Não precisa fingir. Eu sei o que está ocorrendo.
- Se sabe, ent-
- Não faz mal. São só algumas poucas coisas que eu esqueço.
- Você tem todas as razões para esquecer o dia da semana e o que eu te falei quando resolveu acordar, só para voltar a dormir minutos depois.
- E você sabe que não é apenas isso que me acontece...
- Você precisa descansar um pouco, Nori. Tudo isso está te fazendo muito mal.
Ele apenas balançou a cabeça, voltou ao seu pequeno quarto e saiu de lá carregando calças pretas e camisa branca, indo na direção do de Minoru.
- Err... – Murmurou o homem. – Não se esqueça de tomar um banho.
- Eu não iria esquecer disto – Disse o rapaz, em tom de voz esquisitamente grosso.

E então ele entrou, pegou o resto das roupas e foi, fechando a porta do banheiro, desejando um pouco de paz para pensar. Sinceramente não se importava muito de estar imundo e sentado no ofuro, e muito menos de estar se lavando dentro dele – Sendo que seria mais honrável e cerimonioso usá-lo apenas para descansar – E mesmo que Minoru entrasse e lhe desse uma bronca por isso, continuaria não se importando.

Nori.

Fechou os olhos e suspirou. Teria que fazer algo. Definitivamente. Quanto a tudo, mas especialmente quanto a Minoru achar que estava ficando doente. Quem era ele para achar aquilo, afinal? Ele nem médico era.


Haha.


Se dizia que não estava doente, não estava doente.
Se conseguia levantar e ir estudar, trabalhar e caçar, não estava doente.
Se conseguia ao menos caçar, não estava doente.
Só estaria doente caso um dia não conseguisse sair da cama, e aí coisas muito ruins aconteceriam.


Passou as mãos pelos cabelos com força, abaixando o rosto mais uma vez.

Doía quando ele se lembrava do dia anterior. Doía muito. Doía especialmente porque agora conseguia distinguir o motivo de ter falhado daquele jeito.


Era... Aquele desespero, não era?


Havia acabado de lidar com uma onda de kanjou... Estava cansado; exausto, um pouco ferido e talvez até um pouco irritado, mas estava relativamente bem. Estava relativamente bem até ele aparecer. Kyofu.

E aí fora como uma montanha-russa. Ficara desesperado. Nunca esperou ter que enfrentar um kyofu tão cedo – Prometera, há três anos, aprender a escolher suas lutas e gostaria de manter a promessa para sempre – Ao menos não sem preparo físico e mental antes.
Não sem ao menos ter uma boa noit... Semana de sono.
Mas acontecera. O mundo ficou leve, apertado, seu peito doeu e ficou parado, apenas olhando, sem conseguir ao menos fazer uma expressão digna para o momento, sentindo o peito pular e pular e seu coração pulando no seu estômago e aquele pensamento horrível que não deveria temer nunca-

-Eu vou morrer-

-Nunca, nunca mesmo, até porque iria morrer jovem e tinha total consciência daquilo.
E Minoru ainda tinha que existir e não ser mudo para insistir na hipótese de doença. Para o inferno com ele. Para o inferno com aquele mo-


- Nori, vai demorar muito?

-leque maldito que, se os deuses gostassem dele, teria esquecido que Minoru provavelmente falara algo sobre ir na casa de Yuz-

- Tem gente te chamando aqui.

-uki e além do mais por que aquele linguarudo do médico decidira falar tanta coisa para ele?

- Dá para ser, Nori? Você está há quase vinte minutos nesse banho.
- Quem é que está aí? – Disse ele, apenas alto o suficiente para o som passar pelas paredes do banheiro.
- Ohayo-
- Vá embora, eu já disse que não quero nunca mais te ve-
- Foi seu amigo aqui que me convidou, para a sua informação!
- Então mande este meu amigo para a-
- Nori, eu estou ouvindo, se não se importa.
- Não me importo mesmo. Mande este meu amigo para a-
- Você citou que iria fazer bolo, Himura-san? É você que vai fazer?
- Sim, acho que sim, mesmo eu não sendo a melhor pessoa na cozinha. Por quê?

Foi aí que a porta do banheiro se abriu como se por um chute, mas não havia Nori algum por trás dela. Muito pelo contrário – Ele ainda estava sentado no ofuro, pelo que Susumu vira – Mas estava respirando fundo – Aparentemente para se acalmar – E agora Minoru estava com as mãos na boca como se tivesse feito algo de muito errado – E ele não parava de sussurrar “desculpe”.

Frescos.

- Ohayo, Kurosawa-senpai – Disse o garoto, abrindo um sorriso após o pequeno susto. – Como está?
- Ohayou, Nakahara-kun – Respondeu o outro, agora completamente calmo. – Eu poderia estar melhor hoje.
- É uma pena. Espero que melhore.

Respirou fundo para não responder de modo rude a Susumu e se levantou, puxando a toalha junto, mas sem a enrolar na cintura. De começo, o outro rapaz franziu as sobrancelhas e se demonstrou espantado com a falta de respeito de Nori, ao mesmo tempo em que não conseguia tirar os olhos do corpo dele.
Era esquisito, claro. Feio. Os machucados avermelhados da noite anterior ainda estavam na sua pele.

Piscou e sentiu-se ligeiramente confuso quando o alvo da sua atenção se virou e finalmente se enrolou na toalha, olhando-o com escárnio, ao mesmo tempo em que Minoru apertou seu ombro – Que mania irritante aquela do médico! – E o puxou para trás.
- Vamos deixar ele se trocar, Susumu-kun – Disse ele, o virando para que não mais visse o outro rapaz. – Me perdoe pelo incômodo.
Sentaram-se no sofá e poucos momentos depois Nori saiu do banheiro, terminando de abotoar sua camisa social branca e, com sorte, já de calças. Susumu demorou a olhá-lo de cima a baixo por medo de que ele ainda estivesse seminu e achou que o médico compartilhou do seu mesmo medo.
- Perdoem o atraso e a grosseria – Disse ele, fazendo uma reverência e o encarando. – Fique à vontade, Nakahara-kun.
- F-ficarei, Kurosawa-senpai – Gaguejou o outro, surpreso novamente com ele. – Ah, e o seu botão, ele...
- Fique.
- Mesmo?
- Fique. Eu te dei uma chance para provar que não é só um perseguidor obsessivo.
- Deu?
- Dei.
- Não parece.
Assim, Nori virou os olhos e deu as costas a ele e mais dois passos na direção da cozinha. Virou-se, porém, e olhou Minoru, dizendo:
- Bolo?
- Sim.
- De?
- Qualquer coisa.
Murmurou um apressado e sussurrado “sim” e entrou na cozinha, deixando os dois sozinhos.

- Er... Ele é que...
- Cozinha?
- Sim!
- Sim, ele cozinha.
- Não acredito.
- Por que?
- Não tem uma cozinheira, empregada...? Você não tem esposa, Himura-san?
- ... Não.
- Por que não?
- Porque não.
- ... Kurosawa-senpai cozinha bem? Ele é tão magro, acho que nem deve comer o que ele mesmo faz.
- Cozinha bem, claro que sim! Eu sou exigente com comida. Cozinha como ninguém. Como morou sozinho por quase três anos, teve que aprender a se virar.
- E... Ele vai fazer bolo agora, certo?
- Sim.
- Para Akiyama-san, certo?
- Sim.
- Posso comer um pouco?
- Por que não poderia? – Perguntou ele, levantando-se. – Ah, você tomou café da manhã? Se quiser, tem café aqui.
- Você só...
- Bebe café? Bem, é o que eu sei fazer e me mantém acordado, e-
A porta da cozinha se abriu e Nori pôs a cabeça para fora.
- Himura-san, acabou o açúcar.
- Mas como?! – Perguntou o médico, pasmo. – Eu comprei anteontem!
- Bem, você deixa as janelas abertas e...
- Kanjous de felicidade feitos de criancinhas inocentes não existem! Eles não conseguiriam fazer isto! Roubar todo nosso açúcar...
Nori virou os olhos de novo, sumiu por uns instantes e voltou com um pote vazio.
- Nada. – Disse.
- Oya oya, que coisa... – Murmurou Minoru, franzindo as sobrancelhas. – Acho que teremos que ir comprar mais. Bem – Falou, levantando-se e tirando alguns ienes do bolso, - Acho que isto é o suficiente. A padaria já deeve estar aberta. Tente ser breve e não encontrar nenhum kanjou no caminho.
- ... Vou tentar. – Disse o rapaz, olhando para Susumu. – Gostaria de ir comigo?
- Eu? – Perguntou ele, apontando para si mesmo. – Ah, sim, sim! É muito longe?
- Algumas ruas daqui.
Susumu balançou a cabeça positivamente e se levantou, seguindo Nori até a porta. Despediu-se do médico com um aceno rápido e tímido e saiu, vendo o outro garoto já andando na frente e enfiando todos os ienes nos bolsos das calças.
- Um momento, Kurosawa-senpai, não corra tanto – Falou, indo atrás dele. – Não tenha tanta pressa assim.
Ele não chegou nem a o olhar. Só prosseguiu andando.
- Então...
Silêncio. Susumu olhou para cima: O céu estava azul, com algumas nuvens e um vento fresco soprava. Havia pouca gente nas ruas e...
- Então, ahn...


Ruas. Ruas. Ruas.


- Kurosawa-senpai, é que...


Só sons de passos.

Socorro.

- Ei, um gato. Você gosta de gatos, Kurosawa-senpai?

Estava o deixando louco.

- Tem muitos gatos por aqui... E corvos, também. Você... Gosta de algum animal?

Ele só podia estar brincando.

Chegaram na padaria e Nori não havia dito uma palavra sequer. Ele comprou o maldito açúcar, agradeceu à vendedora e lá se foi na frente, sem ao menos olhar para ver se Susumu ainda estava o seguindo ou se não havia sido atropelado pelo bonde.

Mais silêncio.

Só ocorreu algo diferente quando Susumu sentiu-se bater em algo e quase derrubou Nori junto, que havia subitamente parado.

- Ei, ei, ei, por que você...
- Vamos parar aqui um instante – Murmurou o rapaz, recostando-se em uma das vigas de ferro.

Vigas de ferro?
Susumu olhou, novamente, em volta. Aquilo onde estavam era aparentemente um projeto de prédio ou algo do tipo abandonado. Havia sacos de cimento por todo o lugar, poeira por todo o lugar, algumas ferramentas jogadas no chão e, logo à frente, a luz do sol e pessoas andando.

- Por que paramos... Aqui? Justo aqui?

- Eu gosto deste lugar.
- Por que?

- Porque gosto.
- Sem motivo em especial?



- Não vem ao caso o motivo de eu gostar ou não daqui.
- Diga, por favor, Kurosawa-senpai.
- A vista é ótima – Disse, apontando para as pessoas andando ao longe, no sol. – Não acha?
Susumu virou os olhos para observar melhor e, sinceramente, não achou nada de mais a visão de gente comum andando comumente sob a mesma luz de sempre. Porém, balançou a cabeça afirmativamente e se espantou quando Nori cruzou os braços.
- Se não acha, é só dizer.
- Como você s-
- Eu caço emoções há quase cinco anos, acha que não saberei quando você está mentindo?
- Ah... – Fez ele, pondo as mãos atrás das costas. – Me desculpe.
- O que eu mais prezo é sinceridade.
- É?
- Sim. Nakahara-kun, eu vou ao colégio desde sempre e conheço emoções direito faz bons anos. Acha que não cansou ver tantas mentiras?

Desta vez, foi a vez de Susumu ficar calado.

- Não gosto daquele lugar – Prosseguiu Nori, fechando os olhos. – Já matei tantos kanjou lá que perdi a conta. E é sempre a mesma coisa. Desgosto, inveja, raiva... Sempre. Sempre.

Algum corvo estava cantando em algum lugar.

- Mas, me perdoe pela mudança de assunto – Disse o Kurosawa, abrindo-os. – E, apenas para você não me perguntar mais, eu gosto desse lugar por causa disso – Falou, girando o antebraço e mostrando uma cicatriz enorme que tinha nele.
Susumu ficou olhando aquilo feito idiota.

- Então é a cicatriz... Huh... Uma cicatriz... Especi-
- Sim. Minha primeira.
- Do seu primeiro kanjou?
- Não. Do meu primeiro que mostrava algum perigo.
- Algum perigo?
- Algum perigo. Do tipo que pode matar.
- Isso não é “algum perigo”. É muito perigo.
- Algum perigo.
- Hm... E... – Murmurou Susumu, perturbado. – Há quanto tempo foi isso?
- Há três anos.
- Quando você tinha-
- Treze anos. Foi quando eu-



-Havia jurado escolher melhor as lutas. Jurado, jurado. E agora estava na hora de provar que já estava forte o suficiente para lutar contra algo realmente importante. Estava mais do que na hora de mostrar que era útil em algo.

Ficar matando dezesseis-avos de emoções para sempre não estava nos seus planos.

Então, cá estava. Ele e o kanjou. Parecia ser um taikutsu. Tédio. Seria fácil, não? Afinal, ela só estava o olhando de canto de olho, obviamente entediada, mexendo nos cabelos escuros e balançando a cabeça.

- O que é? – Perguntou ela.


Ficou calado.

Agora que se percebia, fora calado desde sempre...

- Vamos, me conte. Qualquer coisa para eu arranjar o que fazer.

Tirou a kodachi da bainha e carregou o revólver.

- Lutar?

Apontou o revólver.

- É uma ótima idéia.

Atirou duas vezes e se jogou para trás ao ver que a taikutsu havia simplesmente desaparecido e reaparecido na sua frente. Ela estava se animando. Não era muito bom que isso ocorresse.
Então, girou a kodachi e jogou o braço na direção do rosto da kanjou, já tendo se preparado para caso ela aparecesse em outro lugar – Coisa que ela fez, e deu de cara com o revólver e uma bala a atingiu na bochecha. A criatura que parecia um tipo de demônio de pele tão branca que soava transparente, de cabelos tão negros que mal refletiam a luz e olheiras tão pesadas que estavam roxas foi para trás, com as mãos no rosto e cabeça baixa, como se tentando se esconder do olhar desinteressado – Entediado? – De Nori.

Não, claro que não. Ele estava tremendo. As mãos tremiam, as pernas tremiam, o coração pulava. Mas precisava manter o rosto calmo, não precisava?
Precisava passar confiança. Passar confiança. Era o que todos os caçadores lhe diziam. Controlar as emoções. Não deixar passar o medo. Ficar calmo. Muito calmo. Insanamente calmo. Doentemente calmo. Não pensar muito. Ficar calmo. Respirar devagar. Manter-se alerta. E calmo.


Ficar calmo mesmo com a taikutsu rindo...

E rindo, e rindo, e sorrindo e batendo palmas e levantando a mão cheia de unhas tão afiadas e encurvadas que pareciam garras de pássaros e-

Respirar fundo, Nori-



O máximo que ela pode fazer é te matar.



Encravou a kodachi na palma da mão dela e rasgou na direção do braço. Tentando ignorar os gritos de dor e o sangue escuro caindo em seu rosto, a arrancou e a levantou para encravá-la, finalmente, em seu peito ou pescoço e a matar de uma vez por todas.

Foi quando sentiu algo o puxar para trás. E dor. Bastante dor na cabeça.

Ela estava o puxando pelos cabelos... E com a mão no seu pescoço. Como acontecera tão rápido, afi-

- Kurosawa-senpai, acho que devemos ir, está ficando meio tar-

-nal?

Agora, muita dor. Infinita dor, no braço, e a sensação de algo gelado entrando, entrando, entrando e rasgando a carne e despedaçando tudo na sua frente e-

Fique calmo, Nori, calmo-
Você vai sofrer tão mais que isto mais tarde, não há necessidade de lamentar.


- Aquela foi a primeira vez que ele me viu daquele jeito.
- Hã?


Sangrando, sangrando, sangrando, sangrando, sangrando, sangrando tanto que iria certamente começar a sentir frio e cair lá mesmo.

E ela não o largava.

E dizia coisas que ele no momento não conseguia entender.

E precisava matar ela logo-

Ficar livre logo-

Se salvar-

Logo-

Ela virou o rosto, grunhindo de dor, e aquilo foi a chance do rapaz tentar não morrer.
A ponta do revólver ficou debaixo do queixo dela e houve o tiro. Na verdade, três. O máximo possível. Só parou quando pararam de vir balas e não teve coragem de gritar ou reclamar quando o corpo da taikutsu caiu por cima dele, levando-o ao chão.

- Eh, Nori-kun!

Mas como?

- Consegui te achar, estava ficando preocupado...

Como? Como isto?

- Você sumiu há quase um dia inteiro, sabia? Se quiser ir caçar assim deste jeito, avise antes. Você saiu e não voltou e não precisou nem que os Akiyama viessem para eu saber que precisava te trazer vivo.

Ele tirou o corpo de cima do garoto e sorriu. Estava suado, cansado, até um pouco machucado, cheio de pequenos cortes ali e aqui. Claro que estaria tão mal. Mas, ainda assim, o espantava que uma pessoa normal – Não-caçadora – Conseguisse chegar viva até ele. Elas não costumavam aguentar por muito tempo no plano entre planos...

- Moleque, você só me dá trabalho – Disse ele, ainda sorrindo, mas claramente sentindo dor. – Levante-se, vamos lá.

E o fez – Pôs-se de pé apoiando-se em só um dos braços – E escondeu o ferimento atrás do corpo.

- Vamos voltar. Já conseguiu o que queria?
- Já.
- Então-
- Mais ou menos.
- Hm?
- Vou ter que tentar amanhã.
- Ah. Me desculpe.
- Tudo bem.
- Vamos?
- Vá na frente.
- Por que?
- Porque sim. Vá.
- Nori, não estou te entendendo.
- Não estou pedindo para entender. Estou pedindo para ir. Por favor?
- Houve algo que eu não possa saber, rapazinho?
- Não.
- Certeza?
- Sim.
- Nori, você tem treze anos. Não vou te deixar aqui.
- Vá.
- Pare de ser teimoso, molequinho.
- Vá.
- Está com vergonha, é isso?
- V-vá.
- Hm?

Então, como se por traição do destino – E mais que claramente foi uma – Uma gota de sangue caiu no chão.

Minoru quase que imediatamente virou os olhos para a pequena mancha no chão e observou, imóvel, mais duas, três, cinco, sete, onze gotas caírem e, então, um pequeno filete de sangue, e então mais dois ou três daqueles escorrendo por seus dedos, e o garoto não parava de sangrar.

- Me deixe ver isso – Ordenou.
- Não.
- Me deixe, Nori!
- Não!
- Você quer morrer, por acaso?! – Gritou, segurando-o pelo pulso e puxando para trás a manga do gakuran e fazendo uma expressão de extremo susto e desgosto. – Kuso! Seu desgraçado, queria mesmo ir pra casa assim e morrer no meio do caminho?!
- Não-
- Vamos sair daqui nesse exato momento! – Disse, enfiando a mão no bolso do garoto e tirando de lá o omamori – Você vai para o hospital agora mesmo.
- Não, não. Eu não vou, Himura-san. – Murmurou ele, se afastando. – Não foi nada. Juro. Passa em uma semana. Uma... Semana. É. Sete dias. Ah, minha cabeça – Disse, levando a mão à testa. – Acho que preciso comer alguma coisa salgada.
- NORI!
- Eu estou bem!
- Me ouça, Nori! Você está pálido-
- Eu sou páli-
- Cale a boca! – Berrou, com todas as forças.


- Aquela foi a primeira vez que ele me pegou nos braços, mesmo que eu estivesse disposto a fugir dele. – Disse, gesticulando.


- Mas que maldição, Nori! Eu quero que você viva, não percebeu?! Vamos. E vamos agora. Pelo amor de tudo, Nori. Deixe de ser teimoso.
- Eu não quero dar trabalho. – Murmurou o garoto, abaixando o rosto. - Gastar dinheiro, Himura-san.
- Um funeral vai custar muito mais que te internar.


- Naquela época, ele ainda não sabia o que poderia fazer...


- Não vai – Sussurrou ele, passando a mão no rosto suado e o manchando de sangue. – Não vai. Não vai. Não vai... Himura-san, eu... Não precisa pagar pelo fu... Funeral. Eu... Eu posso ser enterrado em qualquer cova... e... E...


Sangue. Tanto, tanto, tanto sangue.


- E...


Ele não iria parar de escorrer?


- E...


Estava morrendo, era isso?


Som de rasgos. A camisa branca de Minoru estava arruinada. Ele, agora, amarrava o pedaço no braço ensanguentado com força, para não deixar o sangue sair.

- E...

Estava tudo ficando escuro, mas, não era para ficar. Não havia perdido tanto sangue. Era psicológico. Com certeza era.

Ficar calmo. Respirar fundo.

Fechou os olhos e se sentiu levantado do chão pelas pernas e costas, franzindo as sobrancelhas em seguida. Com treze anos, já era um moleque bem alto e um pouco pesado e não era para Minoru ficar o carregando para lá e para cá daquele jeito. Além de ligeiramente vergonhoso, era cansativo para ele.
Até tentou se desvencilhar, mas ele o segurou com mais força contra o corpo.

- Fique quieto, Nori.

Então, quando o amuleto tocou o sangue e trocaram de dimensões, a viagem foi demais para o garoto. Acordou em uma cama de hospi-



- Pensando bem, essa cicatriz é mais vergonhosa que marca de orgulho – Ponderou Nori, olhando para o alto, e Susumu percebeu um pouco de vergonha na voz dele.
- Ehhh, então me conte o que houve.
- Não.
- Por que não?
- Outro dia.
- Quando?
- Pergunte a Himura-san se quiser saber.
- ... Está fazendo de novo.
- Hm?
- Chamando ele de Himura-san.
- Quando eu o chamo pelo nome, é um equívoco meu.
- E quantos equívocos.

Ele não respondeu. Só se distanciou e foi para o sol.

E Nori era até... Um pouco divertido. Engraçado. Diferente. Continuava esquisito, mas agora era uma esquisitice atraente. Especialmente agora que ele estava falando, mesmo que pouco. A voz dele até que era bonita. Um pouco. Se ele não falasse tão baixo, seria melhor. Era um pouco grave, mas nem tanto. Definitivamente era séria. Aquele moleque emanava sério.
E ainda sabia cozinhar?
Se fosse Noriko, talvez valesse a pena arriscar algo com ela.
- O que está pensando, Nakahara-kun?
Ah, claro, ele falava do nada. Mas estava até se acostumando.
- Eh? Eu?
O outro balançou a cabeça afirmativamente, sem nunca o olhar nos olhos.
- Em... Em...
Silêncio.
Até que era interessante, ele, e-
- Uma garo-
Nori o encarou com a maior expressão de não estar achando graça que Susumu já havia visto. E ele já havia visto muitas.
- -ta. Sério. Juro.
Ele balançou a cabeça de novo.
Susumu respirou fundo, apertando as roupas com as mãos, e disse subitamente:
- Se eu falar que estou pensando sobre você vai soar esquisito.
- “Sobre” mim?
- S-sim! Sobre você.
Sentiu-se ir ao chão quando ele soltou o que parecia um começo de riso. Um “pfft”. E até que ficou com o canto da boca levantado por um tempinho.
- Um dia prometo pensar sobre você também, Nakahara-kun.
- Eh...
- Agora pode parar.
- C-certo...

Maldito. E agora ele estava andando aparentemente feliz e chegou até a fazer cafuné em um gato que estava parado na janela de sua casa antes de bater na porta.

- Voltamos, Himura-san. – Disse Nori, pondo o saco de açúcar nas mãos dele, dando alguns passos para frente, voltando, o pegando e indo para a cozinha. – De agora em diante eu cuido dele.
E foi, assobiando uma canção qualquer. Sumiu atrás adquela porta, deixando Susumu e Minoru se encarando, confusos. O rapaz ia puxar ar para falar algo, mas o adulto foi mais rápido:
- O que você disse para ele?
- E-eu?
- Sim!
- Nada!
- Disse algo. O que foi?
- Você lê emoções, também?!
- Mais ou menos. Fale logo.
- Não foi culpa minha!
- Ele não costuma sair assobiando e tirando com a minha cara. Moleque, o que você disse para deixar ele deste jeito?
- P-pensei sobre ele. – Sussurrou, atropelando-se nas palavras.
- O quê?
- Nada.
- Pensou nele?
- Sobre ele.
- ... Diferença...?
- Sobre. Não em.
- Você deve ir muito bem em Línguas.
- Não tiro notas abaixo de nove e meio.
- Pensou boas coisas.
- ... Ahã.
- Que tipo de coisas?
- Eu acho que tenho privacidade, Himura-sa-
- Ah. Não quer contar. Mesma coisa que dizer que estava pensando as piores coisas.
- Você está enganado!
- Estou?
- Está! Eu estava... Pensando... Er... – Disse, levando a mão à testa. – Que ele é um esquisito legal e que ele poderia cantar bem se falasse mais alto.
- Ahã.
- Juro!
- Tá. Vou fingir que foi só isso. Susumu-kun, além de mexer com emoções, entendo da parte bruta do ser humano. Dá pra ver que você... Bem... Não vamos falar nisso se não quiser, certo? Só aconselho que... Ah... Não aconselho nada. Esqueça. Melhor, aconselho sim. Pense longe da gente.
- Certo. Lembrarei disto.
- É bom. Quer torradas?


... Onde havia se metido, mesmo?

Bem... Ao menos tinha alguém novo para falar e...
Franziu as sobrancelhas, olhando o chão enquanto Minoru bebia o maldito café e lia o maldito jornal. Nori assobiava ainda mais alto da cozinha e os corvos não paravam de grasnar do lado de fora.

Ainda assim, havia um silêncio infernal.

Qual era o problema de pensar sobre aquele garoto, além de todos?

Parar de pensar sobre ele.

Parar de pensar sobre ele.

Parar de pensar nele.

Parar de pensar sobre ele!

Parar de pensar em como ele estava semimorto no dia anterior, como estava acabado, ensanguentado, ferido, machucado, arrasado, humilhado, adorável, desesperado, se-

Pare com isso, Susumu! Mas que maldição!
Mal o conheço. Mal o conheço!

Chegou a notar Minoru o olhando por meio segundo e voltando a ler o jornal, mas não deu atenção para se ele havia percebido tudo ou não.

E até que o cheiro do bolo estava ficando bom...

Por que ele tinha que ser tão... Esquisito? Tão diferente... Tão... Tão...




- Nakahara-kun?




Tão... Como dizer... Atraente? Não, não era essa a palavra. Interessante? Talvez. É, sim. Interessante. Alguma coisa nele o atraía como flores atraem borboletas. É, sentia-se exatamente assim: Como uma borboleta se aproximando de uma... Planta carnívora.



- Vamos logo, moleque. Pare de olhar o nada!



Levantou-se quase que imediatamente, com o rosto vermelho.

- Me desculpem – Disse. – Eu... Estava perdido nos pensamentos.
- Vimos – Falou Minoru, levantando as sobrancelhas. – Está tudo pronto. Vamos sair. Não demorará muito.
- O tempo voou...
- Eu sei. É o que acontece quando se está distraído.
- Me desculpem.
- Não se preocupe. Só vamos logo, senão não vai dar nem para você comer.

Saíram e Susumu foi rápido em ficar a alguns passos de distância deles.

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Rascunhos - Pseudo-arte conceitual 2


Susumu Nori. Kudos pra quem entender o trocadilho ruim...


Minoru.

Porque eu realmente não termino desenhos que começo. Designs provisoriamente definitivos e definitivamente provisórios.

Capítulo Dois - Parte Dois - Compaixão! A anti-normalidade

No final, não tinha conseguido muitas respostas... Hm... Talvez o que quisesse fosse ouvir toda a história deles. Sim, seria muito bom se um dia parassem para contá-la, desde o começo. Aí poderia anotar e daria até uma boa ficção.
Hm, e já estava tarde mesmo...
Seria bom se desse de cara com Nori uma última vez, apenas para dar um boa noite.

- Boa noite, Nakahara-san. – Disse uma garota que, se ele se lembrava bem, era do campus feminino da sua escola e talvez tivesse uma pequena queda por ele.
- Boa noite.

Devia ser realmente deprimente viver daquele jeito, não?

Voltar para casa. Voltar para casa.

Dormir e acordar bem para tentar ao máximo não irritá-lo na manhã seguinte, por respeito que sentia por ele, ou passara a sentir.

Tentar ao máximo-

O quê?
O que era aquilo?
Sensação esquisita de que deveria virar à direita em vez de ir para a esquerda na encruzilhada.
Vamos ignorá-la.
Deu alguns passos para a esquerda, parou, se virou, olhou para trás, levou a mão à boca e decidiu ir ver o que sua intuição estava dizendo. Só por curiosidade, como sempre fora.

Andou, e-

Kisama!

-Quando percebeu que possivelmente era um kanjou e que poderia ficar preso no plano entre planos por um bom tempo-

Kisama! Kisama, kisama, kisama...! Chikushou...!

-Oh, alguém estava xingando muito. Mas, de qualquer jeito, poderia até ficar preso no-

Y-yamete kudasai!

-Estavam espancando a quem àquela hora da noite?
Ia não ligar – Queria não ligar e ia se convencer a não ligar – Quando percebeu de quem a voz era.
Aparentemente Nori estava gritando tão alto do nada que podia ser ouvido como se fosse apenas uma voz desencarnada.

Oh. O mundo estava girando de novo.

Maldição, sim?

Sentiu-se cair de joelhos e logo se levantou, esfregando os olhos e tomando o maior susto da sua vida quando viu o que estava acontecendo. Primeiro, havia um monte de corpos de kanjou no chão: Muitos, talvez dezenas deles. Tudo banhado em sangue; e a pior atmosfera de horror; o pior sentimento de que algo de muito ruim iria acontecer, e tudo escuro, e distante...
Havia também um vivo, e era a pior coisa que havia visto. Assustador como se todos os seus pesadelos houvessem se juntado em um só e emitia um sentimento de inquietação constante. Não era para algo tão pequeno parecesse tão ruim assim... Quer dizer; não era para algo que até se assemelhava a Nori parecer tão ruim assim. Era como um humano, talvez um pouco mais alto que eles, que usava o mesmo gakuran, a mesma boina, o mesmo cabelo, o mesmo tudo...
E estava segurando um ajoelhado e sangrento Nori pelos cabelos, enquanto segurava sua espada na outra mão e ia arrancando pequenos pedaços de pele do rapaz. Era até esquisito como ele estava; meio inconsciente, meio mole, com o corpo parecendo até mais magro e curvilíneo; talvez até mais bonito daquele jeito, mas-
- Me deixe ir...! – Berrou Nori, apertando os pulsos do kanjou com força. – P-por favor! Pare com isso!
- Pobre você, morrendo de medo! Você está, não está?
- Pare!
- Me responda!
- Por favor, pare!
- Eu quero ter a garantia que você está morrendo de medo de alguém inofensivo como eu, então me responda! Sei que você não consegue mentir, Shiawase;
Com aquilo, o rapaz parecia ter tomado um enorme susto.
- -Então vamos terminar logo com isso para eu ficar feliz. – Disse o kanjou, apertando ainda mais os cabelos do garoto e forçando-o a ficar cara-a-cara com ele. – Vamos lá, Shiawase. Você consegue.
- Me solte!
- Kurosawa-senpai! – Berrou Susumu, e viu que tinha feito a pior coisa.
O kanjou o encarou.
Ou tentou, ao menos, já que sua face não tinha olhos, e sorriu.
O garoto iria se sentir enjoado e apavorado por uma semana depois de ter visto ele criando olhos – Na verdade, duas órbitas escuras e aparentemente sangrentas – E a mandíbula se abrindo tanto que ele poderia esmagar sua cabeça com uma simples mordida.

Aquilo era desumano... Era horrível, era...

- Saia daqui!

Forçou suas pernas a obedecerem a ordem sofrida de Nori e deu dois largos passos, sentindo-se obrigado a parar quando o kanjou apareceu na sua frente e o segurou pela gola do uniforme, abrindo a boca enquanto o forçava a encarar os poços vazios que serviam de olhos.

- Kisama!

Fechou os olhos e gritou, desesperado.
Quando Nori conseguiu se levantar, se manter em pé e se convencer de que valia a pena salvá-lo pela enésima vez, o outro rapaz sentiu um puxão para baixo, pois o kanjou havia tombado de joelhos com a kodachi encravada na garganta.
- Eu posso ter vocês dois, se quiserem – Disse a criatura, sorridente, enfiando a mão no pescoço do caçador e o apertando com força, fazendo-o emitir barulhos desumanos enquanto buscava por ar. – Até você, Shiawase, querido; você não vai precisar mais fugir de mim e nem nada... Seremos nós três, felizes – Falou, mostrando os dentes afiados e amarelados. – Felizes para sempre, como você quer ser, não é? Ah, pare de morrer sem ar, tire essa cara arroxeada e me responda, Shiawase!
Abriu a bocarra e roçou os dentes em um pedaço de pele que saía e revelava um ferimento na bochecha do rapaz, mordendo-o e o puxando para baixo, deixando à mostra a carne vermelha. O rapaz gritou de dor, agarrou o cabo da kodachi e a puxou com todas as forças, sem sucesso, o que só fez o kanjou rir ainda mais.
- Pobre rapaz – Disse. – Tão inocente, tão bobinho! Acha mesmo que um dia vai ser feliz, não é, Shiawase? Eu vou te matar – Prosseguiu, lambendo a bochecha sangrenta e fazendo-o finalmente abandonar o rosto sério e mostrar uma expressão desesperada, encarando Susumu por um décimo de segundo, como se implorasse por socorro. – Eu vou te matar, mas vou matar aquele seu médico primeiro. Vou te deixar aqui preso e vou torturá-lo. Ele vai morrer achando que você o deixou. Não é feliz, Shiawase? Vejo até que ainda não trocou os botões da roupa – Falou, arrancando o segundo botão de cima para baixo do uniforme dele, o que distoava. – Vai ser a melhor coisa do mundo dizer que te matei e mostrar esse botãozinho para ele...
Nori deu mais um puxão na kodachi e Susumu estava paralisado, sem reação.
- Você está morrendo de medo – Sussurrou o kanjou, mordendo, de leve, a outra bochecha dele e fazendo-o fechar os olhos em nojo e terror. – Já consigo sentir que sim. Imagine mais, Shiawase. Imagine a dor que sua namorada e ele vão passar por. Imagine que você teme deixá-los sofrendo e imagine que o único jeito de impedir é me matando, e que você não vai conseguir porque eu posso quebrar seu pescoço a qualquer momento. Vamos, Shiawase, diga algo – Falou, afrouxando a mão na garganta do rapaz.
Ele respirou fundo, soluçando e querendo respirar, e finalmente gritou:

- Kisama!

Ao qual foi respondido com tamanho soco na mandíbula que Nori caiu para trás e ficou lá, parado, tentando controlar a expressão de dor, provavelmente sentindo algo quebrado.

- E você, rapazinho – Disse, olhando para Susumu. – O novo melhor amigo do nosso Shiawase, não é? Eu vou te matar, também; melhor, vou te comer vivo começando do seu estômago. Itadakimasu.

Largou-o e abriu a bocarra escancarada.
Não conseguiu o comer vivo, de qualquer maneira, pois uma katana se viu encravada na sua cabeça antes de ao menos poder avançar.
Susumu olhou para cima e-

Uma garota?!

Uma menina de saia longa, blusa de botões escuros e o primeiro branco... De cabelo bem preso em duas longas tranças negras, pele tão pálida quanto a de Nori e o mesmo olhar frio.
E não disse nada antes de pressionar a palma da mão contra a testa do kanjou e descer a espada em sua cabeça mais uma vez, e girá-la para decepar seu pescoço.
Mas a coisa ainda não havia morrido, pois riu e ficou rindo e dizendo:
- Ei, Shinsetsu! Há quanto tempo não nos vemos, eh? Que bom que chegou para salvar seus colegas, eu já estava prestes a matá-los. Como vão as coisas? A faculdade vai bem ou sua vida de caçadora vai te obrigar a se afastar dela? Já pensou, Shinsetsu, se você é obrigada a parar de estudar para salvar o mundo? Ah, eu não sabia que eles os Akiyama estavam cogitando isso... Você não quer sair da faculdade, não é? E se tiver? Como vai ficar, Shinsetsu? Você não te-
Ela encravou a katana na boca da criatura e esta não teve mais como falar, mesmo que ainda tivesse muito o que dizer.

Uma garota; uma Akiyama?

Ela estendeu a mão a Susumu, que a segurou e se levantou com ajuda dela. Então, a moça foi até Nori e o ajudou a se levantar, também, guardando a espada na bainha.
- Um momento – Disse ela, olhando em volta e dando alguns passos para frente, aproveitando para chutar a cabeça decepada para longe.

Aqueles momentos foram tempo o suficiente para Susumu encarar o caçador, que estava um pouco encurvado, talvez tremendo um pouco, provavelmente com frio. E este o olhou de volta, sussurrando algo não muito inteligível, mas que pareceu:
- Essa é a diferença entre você e eu, seu covarde.
Ia puxar ar para responder que se era covarde, ele era louco, mas a menina foi até eles e acabou com qualquer tipo de esperança que o garoto poderia ter de irritar o caçador.
- Voltemos – Murmurou ela, tirando de dentro do bolso da blusa um saquinho feito de pano enfeitado com estrelas, um omamori, um talismã.
Esperou Nori pegar o botão preto no chão.
Mordeu a ponta do dedo e pressionou o sangue contra o pano.

Susumu achou que iria vomitar. Aquelas viagens interdimensionais não o faziam muito bem. Mas estavam de volta ao mundo real, com a garota andando na frente e aparentemente o abandonando e especialmente a Nori, que ainda sangrava.
Subitamente, ela se virou e disse, em uma voz nula:
- Nori-kun, creio que já saiba como funciona. Só volto a caçar caso tenha certeza que ficará em boas mãos.
- Yuzuki-kun – Murmurou ele, visivelmente cansado. – Agradeço sua preocupação. Poderia me... Me acompanhar até minha casa?
- É o que pretendo.
- Obrigado.
Foram os dois na frente e Susumu acompanhando, de longe, o casalzinho esquisito. Os dois de preto, com a pele contrastando, ele ensopado de sangue e ela de suor, ambos com as lâminas nas bainhas e revólveres no peito...
E a volta foi extremamente silenciosa, como ele esperava.
Ao chegarem, a tal Yuzuki bateu na porta e se afastou. Quando Minoru atendeu, ela abaixou a cabeça em uma reverência e disse, em tom baixo:
- Estou apenas devolvendo Nori-kun. Cuide bem dele. Boa noite, Himura-san.
Se virou e foi embora, sem se despedir de mais ninguém.
- Me perdoe – Disse Nori, dando alguns passos na direção de Minoru, que parecia pasmo. – Vou precisar que você me ajude hoje, também... Eu... Eu encontrei com um que eu não deveria encontrar. Me perdoe.
Entrou, afastando o médico, e se sentando no sofá.
- Acho que você o encontrou no caminho, eh, moleque – Disse Minoru, sorrindo para Susumu. – Vamos, entre logo. Preciso cuidar dele.
Minutos depois, após acompanhar o médico carregando um adormecido Nori para a cama e fazer curativos nos seus ferimentos, o garoto coçou os cabelos e comentou, distraído, depois também de examinar o botão preto que o garoto deixara cair no chão:
- Ele desmaia fácil, não desmaia?
Minoru, sentado em uma cadeira, respondeu:
- Ele tem muito sono porque não dorme direito, então qualquer oportunidade deve ser aproveitada. Mas também... Imagino quem ele encontrou.
- Era um bicho assustador, eu estava lá – Disse, arregalando os olhos. – Mas não peguei o começo da luta. Quando cheguei, ele já tinha quase matado Nori e- Digo, Nori-senpai, K-kurosawa-senpai, e aquela moça chegou...
- Akiyama Yuzuki.
- Sim, imaginei que ela fosse um deles. É amiga dele?
- Namorada.
- Hã?! E-e-e-ele tem uma namorada?!
- Sim. E se tudo der certo, a distinção entre os Akiyama e os Kurosawa terminará na próxima geração e formarão uma única família.

O garoto não conseguiu segurar a cara de espanto.

- Mas... Então... Uh... A moça, Akiyama-san, ela...
- Ela é uma boa menina – Disse ele, fechando os olhos. – Está na faculdade de psicologia, tem dezoito anos e é melhor caçadora que Nori. Chegou a matar um kyofu inteiro.
- Kyofu? Acho que foi... Esse que eu encontrei, que nós encontramos... Mas... Como assim um “inteiro”?
- Uma emoção tão comum e forte como medo não se encontra sempre inteira e sim separada. Devem ter encontrado um quarto de kyofu ou oitavo de kyofu. Quando eles se juntam, bem... – Falou, olhando para o alto. – Da última vez que aconteceu, morreram dois caçadores. Nori não estava na cidade no dia, então não se feriu, ainda bem – Prosseguiu, juntando as mãos e apoiando os cotovelos nos joelhos, pressionando a face contra elas. – Mas ela conseguiu terminar com ele.

Claro. Ela tinha cicatrizes, afinal, no rosto, na bochecha, acima do nariz, exatamente como Nori.

E ficou calado, meio pasmo, e só acordou do transe quando Minoru bateu as palmas das mãos.

- Bem! Amanhã vamos retribuir o favor e ir na residência dos Akiyama levar alguma coisa. Acho que vou fazer bolo. Acho que ela gosta de bolo; quem não gosta? Ou então biscoitos. Amanhã, está convidado para vir conosco. Aceita?
- C-claro, eu acho.
Silêncio. Que coisa.
- Ah, e aquele bicho arrancou um botão do uniforme dele – Falou Susumu, estendendo a mão para Minoru. – Que botão é esse, afinal?

Ele o pegou e ficou olhando por alguns momentos, enquanto-

-Lia aquele jornal, o garoto recém-chegado – Certo, não tão recém-chegado, fazia quase um ano – Se pressionava contra o braço oposto do sofá, como se tentasse ficar o mais longe possível do médico. Sabia já que não adiantaria falar com ele que não precisava ser tão anti-social, mas não adiantava. Talvez ele realmente tivesse algum problema para ser calado daquele jeito.
Foi só depois de quase dez minutos que ele foi abrir a boca e emitir algum som, que se parecia com:
- Himura-san, eu... – O garoto começou, falando baixo como sempre.
- Sim? – Respondeu, surpreso com o fato dele querer falar.
- Eu gostaria de... – Falou ele, parando e pensando em como dizê-lo.
- Sim? – Prosseguiu.
- Te falar uma coisa, mas... – Disse ele, olhando para o chão e imaginando se deveria falar ou não; talvez ainda não confiasse inteiramente no médico para dizê-lo...
- Sim? – Insistiu.
- Não sei se... – Murmurou, quase desistindo.
- Primeiro tente completar uma frase e depois pense no que dirá.
- É que...
Então ele havia posto a mão no segundo botão do uniforme, o arrancara e o-

-Chamara, pois o médico parecia não acordar da hipinose induzida por botão.

- Minoru-san, está bem?
- E-estou – Disse ele, levantando-se subitamente e deixando o trequinho em cima da cabeceira da cama. – Está tarde, por que não vai dormir?
- Posso ficar aqui até mais tarde, não se preocupe. Acho que vou o esperar acordar.
- Então quer um pouco de café? Vamos sair do quarto, deixá-lo em paz...
O fizeram e ele acordou bastante antes do esperado. Susumu ia vê-lo uma última vez antes de decidir ir para casa – Se estivesse dormindo, iria; se não, iria de qualquer jeito, mas se despediria. Abriu a porta vagarosamente e o viu sentado na cama, olhando para o botão, pensativo, como-

-Naquele dia quente de verão, o médico insistia em fazer nada e ficar lendo os mesmos jornais de sempre, enquanto o rapaz preferia ficar longe para pensar. Como ele reagiria? Será que se incomodava por sua presença? Seria melhor deixá-lo em paz, lendo, e ir fazer qualquer coisa? Ou, talvez, ir buscar um café?
Mexia nervosamente no segundo botão do uniforme, procurando com os olhos um nome familiar nas pilhas de livros de Minoru: Daijun Takeda. Não o achara, então decidiu terminar de tirar o botão e apertar ele na mão, incomodado.
- Himura-san, eu... – Começou, tentando esconder o nervosismo na voz.
- Sim? – Respondeu o homem, parecendo irônico.
- Eu gostaria de... – Falou, enrolando-se nas palavras.
- Sim? – Prosseguiu ele.
- Te falar uma coisa, mas... – Disse, olhando para o chão e sentindo que a voz estava prestes a morrer e sua timidez doentia iria o atrapalhar no pior momento.
- Sim? – Insistiu, e Nori se sentiu mais pressionado.
- Não sei se... – Murmurou, quase desistindo.
- Primeiro tente completar uma frase e depois pense no que dirá. – Falou, e aquilo acabou com metade da motivação do rapaz.
- É que...
Com o botão arrancado em mãos, se levantou, foi até ele, tomou sua mão e pôs o objeto nela, prosseguindo para sair quase correndo da sala, não querendo saber o que Minoru iria pensar.
Era mesmo um idiota, não era? Para-

-Ficar daquele jeito, parado, olhando para um simples botão, só podia estar doente assim como o outro. Que obsessão por botões eles tinham!
- Ei, Kurosawa-senpai! Estou te chamando faz um tempo; eu sei que você não sente nada nem demonstra nada, mas ao menos dê um jeito de me avisar que você está ouvindo.
Virou os olhos para Susumu, levantando as sobrancelhas em seguida.
- Vou para casa. Me perdoe por hoje, também. Não vai mais se repetir, eu juro.
Ele balançou a cabeça afirmativamente e Susumu, já entendendo um pouco da linguagem dele, interpretou que estava tudo bem, mas...
- O que é isso, afinal? – Perguntou finalmente, sentando-se à beira da cama.
- O quê?
- O botão.
- Um botão. – Respondeu Nori, fechando os olhos.
- Eu sei que tem mais coisa que isso.
Ficaram calados por um momento, até que o caçador falou:
- Não acha meio... Perigoso esse negócio de nos seguir?
- Sim, acho. Hoje eu quase morri.
- Então pare.
Mais silêncio.
- Você não tem muitos amigos, não é? – Perguntou Susumu, sorrindo.
Ele balançou a cabeça negativamente.
- Eu estou disposto a ser um. De qualquer jeito não vou me livrar desse sexto sentido e-
- Está fazendo isso para ter proteção. – Murmurou ele.
- Não.
- Está.
- Não estou.
- Dá pra sentir.
- Juro que não.
- Não minta.
- Acha mesmo que vou conseguir ir para o colégio te vendo desse jeito todo odia?
- Sim.
- Não é só Minoru que liga pra você.
- É.
- Bem, pense o que pensar, ainda quero sua amizade. Você parece ser um rapaz bom.
- Não sou.
- Não é o que Minoru disse.
Viu que Nori ficou sem resposta e riu um pouco.
- Desculpe – Disse ele em seguida, levantando-se. – Agora, vou. Juro. Boa noite e melhoras, Nori-senpai.
- Hm.
Parou ao ver ele esticando o braço para pegar o uniforme esticado na cadeira e arrancar o terceiro botão de cima para baixo, enquanto dizia:
- Você já leu Daijun Takeda?
- N-não.
- Que bom. Aqui – Falou, estendendo a mão para lhe entregar o botão, murmurando como se fosse para se lembrar: - O primeiro é o “eu”, o segundo é o a... O terceiro é a amiza... – Parou antes de terminar, entregando-o de vez e fechando a mão de Susumu sobre ele. – Tome conta.
O garoto o segurou por alguns momentos antes de o pôr no bolso, espantado.
- Boa noite, Nakahara-san. – Disse ele, se deitando novamente.
- Boa noite, Kurosa... – Falou, parando na metade. – Ei, só mais uma coisa... Sua namorada, Yuzuki-san... Ela tinha um botão diferente na blusa. Era seu?
- Sim.
- Que interessante. Então devo costurar o meu aqui, também? – Perguntou Susumu, apontando para o peito.
- Não. No terceiro.
- Por que?
Ele parou por alguns momentos e então finalmente respondeu:
- Você já leu Daijun Takeda?

Naquela noite, Susumu estava tentando digerir a informação que havia adquirido. Porém, algumas coisas se repetiam em sua mente, por mais que ele tentasse ignorar.
Pobre Nori.
Pobre Minoru.
Pobre Yuzuki?
Mal a conhecera e já sabia que ela, também, era uma pessoa triste. Todos os caçadores eram, afinal.
E eram namorados... E já haviam trocado os tais botões, mas era o segundo, e...
Minoru também tinha um, não tinha?
Mas era o primeiro do colete. Nori dissera que aquele era o “eu”. Então era devoção? Um símbolo de que confiavam plenamente um no outro?
Mas Nori tinha o dele no segundo.
Hm... Era o mais próximo do peito, pensando bem.
Talvez fosse melhor;

Definitivamente;

Ir ler Daijun Takeda.

Para entender um pouco mais da mente esquisita daquele caçador fissurado por botões.


- O que é isto?
- É o que é.
- Sem charadas, mocinho.
- Um botão. Não está claro?
- O que significa?
- Não posso contar.
- Por que?
- Você já leu Daijun Takeda?
Aquela geralmente era a resposta que o tirava daquela situação constrangedora. Mas sentiu seu coração afundar e estar encurralado quando o médico, ajeitando os cabelos negros, falou:
- Sim, já li.
Silêncio.
- Então, Nori-kun... É isso?
Não respondeu.
- Me perdoe. Eu não queria atrapalhar seu trabalho.
Silêncio.
- Diga alguma coisa, Nori. Por favor.
Nada.
- Melhor então esquecer tu-
- Não. – Interrompeu ele. – Quero dizer... Só se você quiser. Se você quiser, nós... Nós... E-eu quero dizer... Nós podemos olhar na cara um do outro e seguir nossas vidas usualmente, mas...
Levou as mãos ao rosto. Estava vermelho? Estava corando?! Não podia ficar assim daquela maneira nesse momento, de jeito algum... O que era aquilo, afinal?
- S-se você quiser...
O aperto no peito...
- S-se você quiser, nós...
Estava doendo.
- Nós podemos...
E Minoru o olhava engraçado.
- Podemos...
Estava doendo muito. Muito. Demais. E-



-Aquele molequinho continuava com as mãos no rosto, repetindo “podemos”. Seria cômico se não fosse trágico, definitivamente. Pôs a mão na dele, e-



-Estremeceu, sentindo um espasmo no corpo.
Alguma coisa estava fazendo seus olhos arderem... Estava molhando seu rosto e descendo por suas bochechas, será que aquilo, por tudo, era-



-Choro?
Ele estava chorando?
Odiava vê-lo triste. Iria começar a chorar também se ele não parasse logo e pusesse um sorriso no rosto. Ou, no mínimo, a cara séria de sempre.
- N-nós podemos... E... Esquecer... Q-que eu...

Nori era um rapaz muito cruel. Aquilo estava o matando. Odiava vê-lo chateado, e vê-lo chorando era simplesmente mais do que conseguia aguentar. O moleque já o vira chorando inúmeras vezes, nunca vira um músculo dele se mover para isso. E agora ele estava lá, na sua frente, indefeso e solto, sendo ele mesmo.
Não poderia deixá-lo daquele jeito, definitivamente.
Então, deu um passo à frente e-



-Eram aqueles os braços de Minoru? E, na sua frente, era o pescoço dele ou algo do tipo?
Ah, era um abraço...

Minoru era um homem muito cruel. Ficou calado aquele tempo todo. Odiava desapontá-lo, e desapontá-lo daquele jeito era simplesmente mais do que conseguia aguentar.

- Vai. Me abraça. Você precisa.

Cruel.
Cruel, cruel, cruel.
O fez-


-Não imaginava que ele iria acatar com tamanha facilidade. Estava realmente abalado, não estava?
Maldito Daijun Takeda.
Desesperou-se ainda mais quando ele começou a chorar mais alto e o soltou, ficando de joelhos e tentando esconder o rosto.
- Nori, não fique assim...
- N-não era p-p-para s-ser assim, m-me perdoe, eu v-vou ignorar isso e-e-
Não... Sem mais ignorar sentimentos.
Sem mais isso.
- Sem mais isso.
Novamente-



-Não quis mais deixá-lo ir. Precisava de alguém para o aquecer. Ser gelado daquele jeito nunca ajudara em nada.
- Se você chorar, vai ser sem razão, Nori – Ouviu ele dizer, enquanto tirava sua boina e aparentemente a jogava longe. – Você escolheu o pior motivo para chorar, eh... Que tal chorar por algo realmente útil? Com uma razão realmente boa?
- M-me perdoe. Me perdoe. Eu juro que v-vou mudar.
- Você é um idiota.
A mão. A mão dele era quente. Era boa de segurar.
- Você está tão ocupado com suas caças que nem cogita a possibilidade de não viver mais sozinho...
A mão dele estava o perturbando. Como podia ser tão quente assim? Gente normal era quente daquele jeito? O-


-Corpo dele todo era gelado, então? En-

-Não queria deixá-la ir e-

-Não se incomodou nem um pouco quando ele o abraçou e muito me-

-Acabou chorando mais ainda com aqui-

-E sorriu quando o viu so-

Acordou.
Que pesadelo horrível aquele dia.

Que sonho esquisito.

Que nostalgia.

O botão preto ainda estava no uniforme e havia um a menos, também.

- Está acordado, Nori? – Perguntou ele, balançando-o levemente, e o rapaz apenas grunhiu e se virou.

Franziu as sobrancelhas.

Odiaria vê-lo triste novamente, mas...

Capítulo Dois – Compaixão! A anti-normalidade: Fim.