quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Capítulo Dois - Parte Dois - Compaixão! A anti-normalidade

No final, não tinha conseguido muitas respostas... Hm... Talvez o que quisesse fosse ouvir toda a história deles. Sim, seria muito bom se um dia parassem para contá-la, desde o começo. Aí poderia anotar e daria até uma boa ficção.
Hm, e já estava tarde mesmo...
Seria bom se desse de cara com Nori uma última vez, apenas para dar um boa noite.

- Boa noite, Nakahara-san. – Disse uma garota que, se ele se lembrava bem, era do campus feminino da sua escola e talvez tivesse uma pequena queda por ele.
- Boa noite.

Devia ser realmente deprimente viver daquele jeito, não?

Voltar para casa. Voltar para casa.

Dormir e acordar bem para tentar ao máximo não irritá-lo na manhã seguinte, por respeito que sentia por ele, ou passara a sentir.

Tentar ao máximo-

O quê?
O que era aquilo?
Sensação esquisita de que deveria virar à direita em vez de ir para a esquerda na encruzilhada.
Vamos ignorá-la.
Deu alguns passos para a esquerda, parou, se virou, olhou para trás, levou a mão à boca e decidiu ir ver o que sua intuição estava dizendo. Só por curiosidade, como sempre fora.

Andou, e-

Kisama!

-Quando percebeu que possivelmente era um kanjou e que poderia ficar preso no plano entre planos por um bom tempo-

Kisama! Kisama, kisama, kisama...! Chikushou...!

-Oh, alguém estava xingando muito. Mas, de qualquer jeito, poderia até ficar preso no-

Y-yamete kudasai!

-Estavam espancando a quem àquela hora da noite?
Ia não ligar – Queria não ligar e ia se convencer a não ligar – Quando percebeu de quem a voz era.
Aparentemente Nori estava gritando tão alto do nada que podia ser ouvido como se fosse apenas uma voz desencarnada.

Oh. O mundo estava girando de novo.

Maldição, sim?

Sentiu-se cair de joelhos e logo se levantou, esfregando os olhos e tomando o maior susto da sua vida quando viu o que estava acontecendo. Primeiro, havia um monte de corpos de kanjou no chão: Muitos, talvez dezenas deles. Tudo banhado em sangue; e a pior atmosfera de horror; o pior sentimento de que algo de muito ruim iria acontecer, e tudo escuro, e distante...
Havia também um vivo, e era a pior coisa que havia visto. Assustador como se todos os seus pesadelos houvessem se juntado em um só e emitia um sentimento de inquietação constante. Não era para algo tão pequeno parecesse tão ruim assim... Quer dizer; não era para algo que até se assemelhava a Nori parecer tão ruim assim. Era como um humano, talvez um pouco mais alto que eles, que usava o mesmo gakuran, a mesma boina, o mesmo cabelo, o mesmo tudo...
E estava segurando um ajoelhado e sangrento Nori pelos cabelos, enquanto segurava sua espada na outra mão e ia arrancando pequenos pedaços de pele do rapaz. Era até esquisito como ele estava; meio inconsciente, meio mole, com o corpo parecendo até mais magro e curvilíneo; talvez até mais bonito daquele jeito, mas-
- Me deixe ir...! – Berrou Nori, apertando os pulsos do kanjou com força. – P-por favor! Pare com isso!
- Pobre você, morrendo de medo! Você está, não está?
- Pare!
- Me responda!
- Por favor, pare!
- Eu quero ter a garantia que você está morrendo de medo de alguém inofensivo como eu, então me responda! Sei que você não consegue mentir, Shiawase;
Com aquilo, o rapaz parecia ter tomado um enorme susto.
- -Então vamos terminar logo com isso para eu ficar feliz. – Disse o kanjou, apertando ainda mais os cabelos do garoto e forçando-o a ficar cara-a-cara com ele. – Vamos lá, Shiawase. Você consegue.
- Me solte!
- Kurosawa-senpai! – Berrou Susumu, e viu que tinha feito a pior coisa.
O kanjou o encarou.
Ou tentou, ao menos, já que sua face não tinha olhos, e sorriu.
O garoto iria se sentir enjoado e apavorado por uma semana depois de ter visto ele criando olhos – Na verdade, duas órbitas escuras e aparentemente sangrentas – E a mandíbula se abrindo tanto que ele poderia esmagar sua cabeça com uma simples mordida.

Aquilo era desumano... Era horrível, era...

- Saia daqui!

Forçou suas pernas a obedecerem a ordem sofrida de Nori e deu dois largos passos, sentindo-se obrigado a parar quando o kanjou apareceu na sua frente e o segurou pela gola do uniforme, abrindo a boca enquanto o forçava a encarar os poços vazios que serviam de olhos.

- Kisama!

Fechou os olhos e gritou, desesperado.
Quando Nori conseguiu se levantar, se manter em pé e se convencer de que valia a pena salvá-lo pela enésima vez, o outro rapaz sentiu um puxão para baixo, pois o kanjou havia tombado de joelhos com a kodachi encravada na garganta.
- Eu posso ter vocês dois, se quiserem – Disse a criatura, sorridente, enfiando a mão no pescoço do caçador e o apertando com força, fazendo-o emitir barulhos desumanos enquanto buscava por ar. – Até você, Shiawase, querido; você não vai precisar mais fugir de mim e nem nada... Seremos nós três, felizes – Falou, mostrando os dentes afiados e amarelados. – Felizes para sempre, como você quer ser, não é? Ah, pare de morrer sem ar, tire essa cara arroxeada e me responda, Shiawase!
Abriu a bocarra e roçou os dentes em um pedaço de pele que saía e revelava um ferimento na bochecha do rapaz, mordendo-o e o puxando para baixo, deixando à mostra a carne vermelha. O rapaz gritou de dor, agarrou o cabo da kodachi e a puxou com todas as forças, sem sucesso, o que só fez o kanjou rir ainda mais.
- Pobre rapaz – Disse. – Tão inocente, tão bobinho! Acha mesmo que um dia vai ser feliz, não é, Shiawase? Eu vou te matar – Prosseguiu, lambendo a bochecha sangrenta e fazendo-o finalmente abandonar o rosto sério e mostrar uma expressão desesperada, encarando Susumu por um décimo de segundo, como se implorasse por socorro. – Eu vou te matar, mas vou matar aquele seu médico primeiro. Vou te deixar aqui preso e vou torturá-lo. Ele vai morrer achando que você o deixou. Não é feliz, Shiawase? Vejo até que ainda não trocou os botões da roupa – Falou, arrancando o segundo botão de cima para baixo do uniforme dele, o que distoava. – Vai ser a melhor coisa do mundo dizer que te matei e mostrar esse botãozinho para ele...
Nori deu mais um puxão na kodachi e Susumu estava paralisado, sem reação.
- Você está morrendo de medo – Sussurrou o kanjou, mordendo, de leve, a outra bochecha dele e fazendo-o fechar os olhos em nojo e terror. – Já consigo sentir que sim. Imagine mais, Shiawase. Imagine a dor que sua namorada e ele vão passar por. Imagine que você teme deixá-los sofrendo e imagine que o único jeito de impedir é me matando, e que você não vai conseguir porque eu posso quebrar seu pescoço a qualquer momento. Vamos, Shiawase, diga algo – Falou, afrouxando a mão na garganta do rapaz.
Ele respirou fundo, soluçando e querendo respirar, e finalmente gritou:

- Kisama!

Ao qual foi respondido com tamanho soco na mandíbula que Nori caiu para trás e ficou lá, parado, tentando controlar a expressão de dor, provavelmente sentindo algo quebrado.

- E você, rapazinho – Disse, olhando para Susumu. – O novo melhor amigo do nosso Shiawase, não é? Eu vou te matar, também; melhor, vou te comer vivo começando do seu estômago. Itadakimasu.

Largou-o e abriu a bocarra escancarada.
Não conseguiu o comer vivo, de qualquer maneira, pois uma katana se viu encravada na sua cabeça antes de ao menos poder avançar.
Susumu olhou para cima e-

Uma garota?!

Uma menina de saia longa, blusa de botões escuros e o primeiro branco... De cabelo bem preso em duas longas tranças negras, pele tão pálida quanto a de Nori e o mesmo olhar frio.
E não disse nada antes de pressionar a palma da mão contra a testa do kanjou e descer a espada em sua cabeça mais uma vez, e girá-la para decepar seu pescoço.
Mas a coisa ainda não havia morrido, pois riu e ficou rindo e dizendo:
- Ei, Shinsetsu! Há quanto tempo não nos vemos, eh? Que bom que chegou para salvar seus colegas, eu já estava prestes a matá-los. Como vão as coisas? A faculdade vai bem ou sua vida de caçadora vai te obrigar a se afastar dela? Já pensou, Shinsetsu, se você é obrigada a parar de estudar para salvar o mundo? Ah, eu não sabia que eles os Akiyama estavam cogitando isso... Você não quer sair da faculdade, não é? E se tiver? Como vai ficar, Shinsetsu? Você não te-
Ela encravou a katana na boca da criatura e esta não teve mais como falar, mesmo que ainda tivesse muito o que dizer.

Uma garota; uma Akiyama?

Ela estendeu a mão a Susumu, que a segurou e se levantou com ajuda dela. Então, a moça foi até Nori e o ajudou a se levantar, também, guardando a espada na bainha.
- Um momento – Disse ela, olhando em volta e dando alguns passos para frente, aproveitando para chutar a cabeça decepada para longe.

Aqueles momentos foram tempo o suficiente para Susumu encarar o caçador, que estava um pouco encurvado, talvez tremendo um pouco, provavelmente com frio. E este o olhou de volta, sussurrando algo não muito inteligível, mas que pareceu:
- Essa é a diferença entre você e eu, seu covarde.
Ia puxar ar para responder que se era covarde, ele era louco, mas a menina foi até eles e acabou com qualquer tipo de esperança que o garoto poderia ter de irritar o caçador.
- Voltemos – Murmurou ela, tirando de dentro do bolso da blusa um saquinho feito de pano enfeitado com estrelas, um omamori, um talismã.
Esperou Nori pegar o botão preto no chão.
Mordeu a ponta do dedo e pressionou o sangue contra o pano.

Susumu achou que iria vomitar. Aquelas viagens interdimensionais não o faziam muito bem. Mas estavam de volta ao mundo real, com a garota andando na frente e aparentemente o abandonando e especialmente a Nori, que ainda sangrava.
Subitamente, ela se virou e disse, em uma voz nula:
- Nori-kun, creio que já saiba como funciona. Só volto a caçar caso tenha certeza que ficará em boas mãos.
- Yuzuki-kun – Murmurou ele, visivelmente cansado. – Agradeço sua preocupação. Poderia me... Me acompanhar até minha casa?
- É o que pretendo.
- Obrigado.
Foram os dois na frente e Susumu acompanhando, de longe, o casalzinho esquisito. Os dois de preto, com a pele contrastando, ele ensopado de sangue e ela de suor, ambos com as lâminas nas bainhas e revólveres no peito...
E a volta foi extremamente silenciosa, como ele esperava.
Ao chegarem, a tal Yuzuki bateu na porta e se afastou. Quando Minoru atendeu, ela abaixou a cabeça em uma reverência e disse, em tom baixo:
- Estou apenas devolvendo Nori-kun. Cuide bem dele. Boa noite, Himura-san.
Se virou e foi embora, sem se despedir de mais ninguém.
- Me perdoe – Disse Nori, dando alguns passos na direção de Minoru, que parecia pasmo. – Vou precisar que você me ajude hoje, também... Eu... Eu encontrei com um que eu não deveria encontrar. Me perdoe.
Entrou, afastando o médico, e se sentando no sofá.
- Acho que você o encontrou no caminho, eh, moleque – Disse Minoru, sorrindo para Susumu. – Vamos, entre logo. Preciso cuidar dele.
Minutos depois, após acompanhar o médico carregando um adormecido Nori para a cama e fazer curativos nos seus ferimentos, o garoto coçou os cabelos e comentou, distraído, depois também de examinar o botão preto que o garoto deixara cair no chão:
- Ele desmaia fácil, não desmaia?
Minoru, sentado em uma cadeira, respondeu:
- Ele tem muito sono porque não dorme direito, então qualquer oportunidade deve ser aproveitada. Mas também... Imagino quem ele encontrou.
- Era um bicho assustador, eu estava lá – Disse, arregalando os olhos. – Mas não peguei o começo da luta. Quando cheguei, ele já tinha quase matado Nori e- Digo, Nori-senpai, K-kurosawa-senpai, e aquela moça chegou...
- Akiyama Yuzuki.
- Sim, imaginei que ela fosse um deles. É amiga dele?
- Namorada.
- Hã?! E-e-e-ele tem uma namorada?!
- Sim. E se tudo der certo, a distinção entre os Akiyama e os Kurosawa terminará na próxima geração e formarão uma única família.

O garoto não conseguiu segurar a cara de espanto.

- Mas... Então... Uh... A moça, Akiyama-san, ela...
- Ela é uma boa menina – Disse ele, fechando os olhos. – Está na faculdade de psicologia, tem dezoito anos e é melhor caçadora que Nori. Chegou a matar um kyofu inteiro.
- Kyofu? Acho que foi... Esse que eu encontrei, que nós encontramos... Mas... Como assim um “inteiro”?
- Uma emoção tão comum e forte como medo não se encontra sempre inteira e sim separada. Devem ter encontrado um quarto de kyofu ou oitavo de kyofu. Quando eles se juntam, bem... – Falou, olhando para o alto. – Da última vez que aconteceu, morreram dois caçadores. Nori não estava na cidade no dia, então não se feriu, ainda bem – Prosseguiu, juntando as mãos e apoiando os cotovelos nos joelhos, pressionando a face contra elas. – Mas ela conseguiu terminar com ele.

Claro. Ela tinha cicatrizes, afinal, no rosto, na bochecha, acima do nariz, exatamente como Nori.

E ficou calado, meio pasmo, e só acordou do transe quando Minoru bateu as palmas das mãos.

- Bem! Amanhã vamos retribuir o favor e ir na residência dos Akiyama levar alguma coisa. Acho que vou fazer bolo. Acho que ela gosta de bolo; quem não gosta? Ou então biscoitos. Amanhã, está convidado para vir conosco. Aceita?
- C-claro, eu acho.
Silêncio. Que coisa.
- Ah, e aquele bicho arrancou um botão do uniforme dele – Falou Susumu, estendendo a mão para Minoru. – Que botão é esse, afinal?

Ele o pegou e ficou olhando por alguns momentos, enquanto-

-Lia aquele jornal, o garoto recém-chegado – Certo, não tão recém-chegado, fazia quase um ano – Se pressionava contra o braço oposto do sofá, como se tentasse ficar o mais longe possível do médico. Sabia já que não adiantaria falar com ele que não precisava ser tão anti-social, mas não adiantava. Talvez ele realmente tivesse algum problema para ser calado daquele jeito.
Foi só depois de quase dez minutos que ele foi abrir a boca e emitir algum som, que se parecia com:
- Himura-san, eu... – O garoto começou, falando baixo como sempre.
- Sim? – Respondeu, surpreso com o fato dele querer falar.
- Eu gostaria de... – Falou ele, parando e pensando em como dizê-lo.
- Sim? – Prosseguiu.
- Te falar uma coisa, mas... – Disse ele, olhando para o chão e imaginando se deveria falar ou não; talvez ainda não confiasse inteiramente no médico para dizê-lo...
- Sim? – Insistiu.
- Não sei se... – Murmurou, quase desistindo.
- Primeiro tente completar uma frase e depois pense no que dirá.
- É que...
Então ele havia posto a mão no segundo botão do uniforme, o arrancara e o-

-Chamara, pois o médico parecia não acordar da hipinose induzida por botão.

- Minoru-san, está bem?
- E-estou – Disse ele, levantando-se subitamente e deixando o trequinho em cima da cabeceira da cama. – Está tarde, por que não vai dormir?
- Posso ficar aqui até mais tarde, não se preocupe. Acho que vou o esperar acordar.
- Então quer um pouco de café? Vamos sair do quarto, deixá-lo em paz...
O fizeram e ele acordou bastante antes do esperado. Susumu ia vê-lo uma última vez antes de decidir ir para casa – Se estivesse dormindo, iria; se não, iria de qualquer jeito, mas se despediria. Abriu a porta vagarosamente e o viu sentado na cama, olhando para o botão, pensativo, como-

-Naquele dia quente de verão, o médico insistia em fazer nada e ficar lendo os mesmos jornais de sempre, enquanto o rapaz preferia ficar longe para pensar. Como ele reagiria? Será que se incomodava por sua presença? Seria melhor deixá-lo em paz, lendo, e ir fazer qualquer coisa? Ou, talvez, ir buscar um café?
Mexia nervosamente no segundo botão do uniforme, procurando com os olhos um nome familiar nas pilhas de livros de Minoru: Daijun Takeda. Não o achara, então decidiu terminar de tirar o botão e apertar ele na mão, incomodado.
- Himura-san, eu... – Começou, tentando esconder o nervosismo na voz.
- Sim? – Respondeu o homem, parecendo irônico.
- Eu gostaria de... – Falou, enrolando-se nas palavras.
- Sim? – Prosseguiu ele.
- Te falar uma coisa, mas... – Disse, olhando para o chão e sentindo que a voz estava prestes a morrer e sua timidez doentia iria o atrapalhar no pior momento.
- Sim? – Insistiu, e Nori se sentiu mais pressionado.
- Não sei se... – Murmurou, quase desistindo.
- Primeiro tente completar uma frase e depois pense no que dirá. – Falou, e aquilo acabou com metade da motivação do rapaz.
- É que...
Com o botão arrancado em mãos, se levantou, foi até ele, tomou sua mão e pôs o objeto nela, prosseguindo para sair quase correndo da sala, não querendo saber o que Minoru iria pensar.
Era mesmo um idiota, não era? Para-

-Ficar daquele jeito, parado, olhando para um simples botão, só podia estar doente assim como o outro. Que obsessão por botões eles tinham!
- Ei, Kurosawa-senpai! Estou te chamando faz um tempo; eu sei que você não sente nada nem demonstra nada, mas ao menos dê um jeito de me avisar que você está ouvindo.
Virou os olhos para Susumu, levantando as sobrancelhas em seguida.
- Vou para casa. Me perdoe por hoje, também. Não vai mais se repetir, eu juro.
Ele balançou a cabeça afirmativamente e Susumu, já entendendo um pouco da linguagem dele, interpretou que estava tudo bem, mas...
- O que é isso, afinal? – Perguntou finalmente, sentando-se à beira da cama.
- O quê?
- O botão.
- Um botão. – Respondeu Nori, fechando os olhos.
- Eu sei que tem mais coisa que isso.
Ficaram calados por um momento, até que o caçador falou:
- Não acha meio... Perigoso esse negócio de nos seguir?
- Sim, acho. Hoje eu quase morri.
- Então pare.
Mais silêncio.
- Você não tem muitos amigos, não é? – Perguntou Susumu, sorrindo.
Ele balançou a cabeça negativamente.
- Eu estou disposto a ser um. De qualquer jeito não vou me livrar desse sexto sentido e-
- Está fazendo isso para ter proteção. – Murmurou ele.
- Não.
- Está.
- Não estou.
- Dá pra sentir.
- Juro que não.
- Não minta.
- Acha mesmo que vou conseguir ir para o colégio te vendo desse jeito todo odia?
- Sim.
- Não é só Minoru que liga pra você.
- É.
- Bem, pense o que pensar, ainda quero sua amizade. Você parece ser um rapaz bom.
- Não sou.
- Não é o que Minoru disse.
Viu que Nori ficou sem resposta e riu um pouco.
- Desculpe – Disse ele em seguida, levantando-se. – Agora, vou. Juro. Boa noite e melhoras, Nori-senpai.
- Hm.
Parou ao ver ele esticando o braço para pegar o uniforme esticado na cadeira e arrancar o terceiro botão de cima para baixo, enquanto dizia:
- Você já leu Daijun Takeda?
- N-não.
- Que bom. Aqui – Falou, estendendo a mão para lhe entregar o botão, murmurando como se fosse para se lembrar: - O primeiro é o “eu”, o segundo é o a... O terceiro é a amiza... – Parou antes de terminar, entregando-o de vez e fechando a mão de Susumu sobre ele. – Tome conta.
O garoto o segurou por alguns momentos antes de o pôr no bolso, espantado.
- Boa noite, Nakahara-san. – Disse ele, se deitando novamente.
- Boa noite, Kurosa... – Falou, parando na metade. – Ei, só mais uma coisa... Sua namorada, Yuzuki-san... Ela tinha um botão diferente na blusa. Era seu?
- Sim.
- Que interessante. Então devo costurar o meu aqui, também? – Perguntou Susumu, apontando para o peito.
- Não. No terceiro.
- Por que?
Ele parou por alguns momentos e então finalmente respondeu:
- Você já leu Daijun Takeda?

Naquela noite, Susumu estava tentando digerir a informação que havia adquirido. Porém, algumas coisas se repetiam em sua mente, por mais que ele tentasse ignorar.
Pobre Nori.
Pobre Minoru.
Pobre Yuzuki?
Mal a conhecera e já sabia que ela, também, era uma pessoa triste. Todos os caçadores eram, afinal.
E eram namorados... E já haviam trocado os tais botões, mas era o segundo, e...
Minoru também tinha um, não tinha?
Mas era o primeiro do colete. Nori dissera que aquele era o “eu”. Então era devoção? Um símbolo de que confiavam plenamente um no outro?
Mas Nori tinha o dele no segundo.
Hm... Era o mais próximo do peito, pensando bem.
Talvez fosse melhor;

Definitivamente;

Ir ler Daijun Takeda.

Para entender um pouco mais da mente esquisita daquele caçador fissurado por botões.


- O que é isto?
- É o que é.
- Sem charadas, mocinho.
- Um botão. Não está claro?
- O que significa?
- Não posso contar.
- Por que?
- Você já leu Daijun Takeda?
Aquela geralmente era a resposta que o tirava daquela situação constrangedora. Mas sentiu seu coração afundar e estar encurralado quando o médico, ajeitando os cabelos negros, falou:
- Sim, já li.
Silêncio.
- Então, Nori-kun... É isso?
Não respondeu.
- Me perdoe. Eu não queria atrapalhar seu trabalho.
Silêncio.
- Diga alguma coisa, Nori. Por favor.
Nada.
- Melhor então esquecer tu-
- Não. – Interrompeu ele. – Quero dizer... Só se você quiser. Se você quiser, nós... Nós... E-eu quero dizer... Nós podemos olhar na cara um do outro e seguir nossas vidas usualmente, mas...
Levou as mãos ao rosto. Estava vermelho? Estava corando?! Não podia ficar assim daquela maneira nesse momento, de jeito algum... O que era aquilo, afinal?
- S-se você quiser...
O aperto no peito...
- S-se você quiser, nós...
Estava doendo.
- Nós podemos...
E Minoru o olhava engraçado.
- Podemos...
Estava doendo muito. Muito. Demais. E-



-Aquele molequinho continuava com as mãos no rosto, repetindo “podemos”. Seria cômico se não fosse trágico, definitivamente. Pôs a mão na dele, e-



-Estremeceu, sentindo um espasmo no corpo.
Alguma coisa estava fazendo seus olhos arderem... Estava molhando seu rosto e descendo por suas bochechas, será que aquilo, por tudo, era-



-Choro?
Ele estava chorando?
Odiava vê-lo triste. Iria começar a chorar também se ele não parasse logo e pusesse um sorriso no rosto. Ou, no mínimo, a cara séria de sempre.
- N-nós podemos... E... Esquecer... Q-que eu...

Nori era um rapaz muito cruel. Aquilo estava o matando. Odiava vê-lo chateado, e vê-lo chorando era simplesmente mais do que conseguia aguentar. O moleque já o vira chorando inúmeras vezes, nunca vira um músculo dele se mover para isso. E agora ele estava lá, na sua frente, indefeso e solto, sendo ele mesmo.
Não poderia deixá-lo daquele jeito, definitivamente.
Então, deu um passo à frente e-



-Eram aqueles os braços de Minoru? E, na sua frente, era o pescoço dele ou algo do tipo?
Ah, era um abraço...

Minoru era um homem muito cruel. Ficou calado aquele tempo todo. Odiava desapontá-lo, e desapontá-lo daquele jeito era simplesmente mais do que conseguia aguentar.

- Vai. Me abraça. Você precisa.

Cruel.
Cruel, cruel, cruel.
O fez-


-Não imaginava que ele iria acatar com tamanha facilidade. Estava realmente abalado, não estava?
Maldito Daijun Takeda.
Desesperou-se ainda mais quando ele começou a chorar mais alto e o soltou, ficando de joelhos e tentando esconder o rosto.
- Nori, não fique assim...
- N-não era p-p-para s-ser assim, m-me perdoe, eu v-vou ignorar isso e-e-
Não... Sem mais ignorar sentimentos.
Sem mais isso.
- Sem mais isso.
Novamente-



-Não quis mais deixá-lo ir. Precisava de alguém para o aquecer. Ser gelado daquele jeito nunca ajudara em nada.
- Se você chorar, vai ser sem razão, Nori – Ouviu ele dizer, enquanto tirava sua boina e aparentemente a jogava longe. – Você escolheu o pior motivo para chorar, eh... Que tal chorar por algo realmente útil? Com uma razão realmente boa?
- M-me perdoe. Me perdoe. Eu juro que v-vou mudar.
- Você é um idiota.
A mão. A mão dele era quente. Era boa de segurar.
- Você está tão ocupado com suas caças que nem cogita a possibilidade de não viver mais sozinho...
A mão dele estava o perturbando. Como podia ser tão quente assim? Gente normal era quente daquele jeito? O-


-Corpo dele todo era gelado, então? En-

-Não queria deixá-la ir e-

-Não se incomodou nem um pouco quando ele o abraçou e muito me-

-Acabou chorando mais ainda com aqui-

-E sorriu quando o viu so-

Acordou.
Que pesadelo horrível aquele dia.

Que sonho esquisito.

Que nostalgia.

O botão preto ainda estava no uniforme e havia um a menos, também.

- Está acordado, Nori? – Perguntou ele, balançando-o levemente, e o rapaz apenas grunhiu e se virou.

Franziu as sobrancelhas.

Odiaria vê-lo triste novamente, mas...

Capítulo Dois – Compaixão! A anti-normalidade: Fim.

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