quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Capítulo Dois - Parte Um - Compaixão! A anti-normalidade

Capítulo Dois – Compaixão! A anti-normalidade


No dia seguinte da sua primeira conversa calma com Nori, Susumu fez questão de estender seu tempo no pátio da escola para ver se ele viria ou não e ao menos dar um bom dia. Só percebeu que estava exagerando um pouco tanto na sua dedicação quanto na sua obsessão quando ele chegou, apoiado na bengala e ajudado por Minoru; pois notou que Hikaru estava tentando lhe chamar a atenção fazia um tempo considerável.
- Um momento, vou falar com ele e já volto – Disse rapidamente, afastando-se do amigo e indo até o conhecido, olhando-o de baixo e sorrindo um sorriso bobo. – Bom dia, Kurosawa-senpai, Himura-san. Como estão? Aquele ferimento, ele... Melhorou?
Os dois se entreolharam por alguns momentos e levantaram as sobrancelhas.
- Você muda de temperamento bem rápido – Falou Nori, olhando para escola e dando alguns passos, sozinho, na direção dela.
- Eu me arrependi.
- Certo.
- Pode por favor me dar uma resposta que não seja lacônica?
- OK.
Minoru pôs o braço em volta do de Nori e o puxou para perto, sorrindo e parando um momento para falar:
- Seja um pouco mais bem-educado, certo, mocinho?
E o rapaz olhou em volta, franziu as sobrancelhas e abaixou o rosto, mas Susumu vira que ele ficara um pouco envergonhado com aquilo.
- Eu não sou uma criança – Disse, balançando a cabeça. – E você sabe que não quero ninguém por perto. – Falou e levantou o rosto, encarando Susumu. – Admiro e gostei da sua companhia ontem, mas agora precisamos voltar a ser completos estranhos, Nakahara-san. Pelo nosso bem, mas principalmente pelo seu.
Deu um passo para a frente, sentiu algo doer e parou, tomando alguns momentos para se recompôr e voltar a andar.

O homem chegou a olhar para trás com uma expressão de pena e a última coisa que o garoto ouviu de ambos foram murmúrios e sussurros:
- Teimoso você, hein?
- Sabe que eu só preciso de duas pessoas. Mais seria exagero.
- Não faria mal; vamos lá. Não pode ser tão ruim.
- ... Isso... Isso é sarcasmo, não é? Me diga, Minoru, isso é sarcasmo, não é?
- Estou falando sério... Por que não tentar?
- Porque...
Silêncio.

Moleque mimado...

Talvez simpatizar com ele fosse mais difícil do que pensava...

Mas, bem, por que ele era tão fechado daquele jeito? Lembrava que Minoru ficara calado quando perguntou sobre ter algo a ver com trancar seus sentimentos. Então era aquilo?

Ele não estava meio que... Exagerando? Era novo a esse troço de caçar sentimentos, mas... Se fosse como ele estava falando – Uma amizade causar uma torrente emocional a ponto de ser perigoso – O mundo teria três vezes mais daqueles bichos, não teria?
Bem,
Que fresco ele era. Ao menos o outro tinha um pouco de bom-senso.

- Você esteve tão esquisito – Disse Hikaru, suspirando.
- Eu sei. – Respondeu. – É que eu acho que estou começando a entender qual é o problema dele.

No fim da aula, esperou, mas ele não veio. Nenhum dos dois.
Sentiu-se traído e iria começar a se zangar, mas assim que percebeu que naquele dia eles o primeiro ano saía mais tarde que o terceiro, decidiu que seria um pouco melhor, primeiramente, ficar um pouco mais calmo. Aquilo já estava ficando assustador, não estava? Correr atrás dele... Era até... Nojento, se fosse pensar bem.

Mas não havia dito a Hikaru que estava começando a entender o que havia com Nori? Quer dizer; o rapaz não tinha tempo para nada. Minoru dissera que a rotina dele era acordar cedo, ir para a escola, voltar, estudar e trabalhar – Trabalhar? – E ir caçar.
Hm, trabalhar? Ele havia dito que o sonho do garoto era ser médico, não era?
Tomou nota e então decidiu que iria, só por boa educação, pagar a ambos uma visita. Ajeitou a bolsa em que carregava seu material, pôs o quepe e foi.
Chegando lá, bateu na porta e ninguém atendeu. Ficou lá por alguns bons minutos, esperando alguma pessoa bem-educada vir o atender, mas nada de útil aconteceu – Apenas que um homem, que parecia perturbado vendo-o pagar de idiota, se aproximou e disse:
- Procurando o doutor Himura Minoru?
Quase pulou para trás, mas assentiu com a cabeça.
- Ele não está aqui às segundas, quartas e sextas. Está na clínica de Ebetsu-shi e fica lá até o final da tarde.
- E aquele rapaz que mora com ele? – Perguntou, esperançoso.
- O tal do Kurosawa? Ele vai junto, sempre. Olha, você pode chegar lá pegando um bonde, se precisar tanto dele assim...
- Ah, sim! Ebetsu-shi é uma cidadezinha pequena, não é?
- É; você precisa andar um pouco, mas é a clínica mais perto do ponto e-
- Obrigado!
Bem, seus pais não iriam se importar muito se ele demorasse um pouco mais. Fazia um tempo que não andava de bonde, de qualquer jeito.
Mais tarde, após xingar muito pelo calor, chegou na cidade e pôs-se a procurar. Não demorou muito para achar a clínica de tamanho médio, de dois andares e janelas baixas e até que bastante gente dentro. Primeiro, deu uma volta nela, esperando dar sorte e ver um dos dois lá para garantir que estava no lugar certo.
Nos fundos da construção, olhou, por uma janela, um quarto pequeno e escuro. Era o único meio mal-iluminado do lugar, então ficou observando mais um pouco, distinguindo, com o tempo, uma figura sentada à uma mesa, dando as costas para a luz.
Por algum motivo, a pessoa se levantou, esticou as costas, se espreguiçou, bocejou e gritou algo que parecia um “já vou” um tanto desanimado, prosseguindo para ir até a janela e pôr as mãos nas puxadeiras para abri-la.
Mas parou. Franziu as sobrancelhas e arregalou os olhos antes de abrir, com cuidado, a janela.
- Você; o que você... – Começou, tentando esconder que havia sido pego de surpresa pela presença de seu perseguidor pessoal. Logo se recompôs, pôs sua expressão de muito sério e prosseguiu: - Nakahara-san, me lembro de ter pedido para você não mais me procurar.
- Sim, pediu, mas-
- Então vá embora. – Falou, soltando-o e pondo a mão nas puxadeiras, pronto para fechar os vidros.
- Kurosawa-senpai, espere um momento – Disse Susumu, segurando a janela. – Que coisa, acho que você não tem mesmo paciência para nada.
Ele nada disse – Só olhou para cima e fez mais força para se livrar do encosto.
- Você me deve algumas explicações – Falou o garoto. – Eu ainda não entendi tudo sobre esse enorme drama.
- Nakahara-san, eu preciso ir ver um paciente. Himura-san acabou de me chamar. – Suspirou, largando as puxadeiras.
- Eh? – Fez ele. – Que engraçado, o chamando de –san... É a primeira vez que ouço isso.
- Ele é meu guardião e devo-lhe todo o respeito.
- Não é o que parece.
- Então, Nakahara-san, por favor, - Falou, franzindo as sobrancelhas e ignorando o que ele havia dito anteriormente. – Vá embora.
- Só quando você garantir que vai me explicar tudo que quero saber.
- Hah. – Fez Nori, sem nem tentar se convencer de que aquilo seria cômico se não fosse trágico e o falando com a mesma expressão nula. – Está piorando a situação, Nakahara-san. Você certamente não me quer ver irritado.
- Se for preciso...
Aquilo fez um brilho de raiva aparecer nos olhos do Kurosawa, mas ele não mexeu um milímetro da face.
- Você só diz coisas sem nexo e incrivelmente precipitadas – Murmurou, desviando o olhar. – Hoje, às sete, na minha casa.

SIM!
Sim, sim, sim!
Finalmente conseguira!

- Queira me dar licença, tenha um bom dia e passar bem, Nakahara-san – Disse ele, fechando a janela com tanta delicadeza quanto havia a aberto.

E como assim ele tinha essa habilidade incrível de acabar com ânimos?
Esperava ao menos que ele soasse... Hm... Um pouco mais...
Humano;
Depois daquilo.

Viu-o se afastar e seguiu até a frente da clínica, tentando espiar para ver se ele realmente levara aquilo a sério. Demorou apenas alguns minutos – Certo, quase quinze – Para que saísse uma senhorita junta de seu esposo falando animadamente com o doutor Himura Minoru e seu jovem assistente, que vinha a exatamente dois passos atrás, segurando um caderno cheio de anotações.
Ele, assim que pisou fora do lugar, percebeu-o a alguns metros de distância e o olhou, mas permaneceu quieto. Despediu-se do casal com uma rápida reverência e teve sua atenção puxada por Minoru, que apoiou o cotovelo em seu ombro e suspirou, dizendo:
- Finalmente, hora do almoço. Pegue a comida lá dentro, sim? – Falou, deixando-o então e se sentando em um banco. – Eu vou esperar nos fundos.
- Certo.
O garoto assentiu com a cabeça e ambos entraram. E em pouco tempo saiu o médico e então o caçador do outro lado, o rapaz com dois bentou em mão, entregando o maior a ele e sentando-se ao seu lado.
- Que coisa, nunca pensei que trabalhar aqui conseguisse ser tão cansativo. – Disse Minoru, levando um pequeno pedaço de carne à boca. – O que mais quero é chegar em casa logo.
Vendo que Nori não iria responder, levantou as sobrancelhas e perguntou:
- Eu sei que você fala pouco e come pouco, mas custa tentar ganhar um pouco de peso? Você não pode ficar pesando esses cinquenta e pouco quilos a vida toda, com esse tamanho...
Nada. Que dificuldade.
- Vamos lá, só um pouco. Você deve estar com fome.
Ele torceu a boca e só.
- Certo, acho melhor não incomodar. – Falou, voltando a mexer no bentou.
Talvez não fizesse mal contar o que o perturbava, não era?
O rapaz abriu a boca e puxou o ar, mas logo foi interrompido por um animado e até mesmo idiota Minoru que puxava algas com os hashi e as mostrava.
- Olha, tem nori aqui! – Disse ele, sorrindo. – Acho que nunca mais percebi quando eu como nori depois que te conheci.
Abriu ainda mais o sorriso – Um pouco cruel, diga-se de passagem – Quando viu Nori abaixar o rosto, envergonhado, e mexer um pouco na comida, ignorando os outros nori.
- Eu já disse que meu nome não é nori de algas – Murmurou ele, mexendo na etiqueta do uniforme escolar e puxando-a de dentro da gola, mostrando-a a ele, ainda sem o olhar nos olhos. – Vê? Nori.
O médico olhou aquilo e seu sorriso diminuiu para um sarcástico ao ver aquilo.
儀. Nori. Cerimônia. E não 海苔, nori. Alga.
Ah, mas ele já sabia. Estava cansado de ver aquela maldita etiqueta.
- Achei que já tinha decorado – Falou o garoto, pondo um pouco de comida na boca, também.
- Você não tem nenhum senso de humor, eh, Nori? – Perguntou.
A única coisa que ele conseguiu foi um “hmf” e um incomodado Nori finalmente se alimentando.
- Mas então, diga o que ia dizer – Falou. – Você ia dizer algo antes de eu tentar fazer você rir.
- Tentar me fazer rir?
- É meu objetivo de vida. – Brincou.
- Não acha que é um objetivo idiota para um homem de trinta anos? Especialmente se-
- Obrigado por acabar com meus sonhos infantis.
- -Esse objetivo já foi concretizado?
- Eu gosto de te ver feliz, Nori. – Disse Minoru, pondo o braço em volta do ombro do rapaz e não o deixando tentar escapar para o outro lado do banco, como tentou o fazer por meio segundo. – Não consigo viver calmo enquanto você tem o mundo sobre os ombros.
Então, Susumu viu o garoto se encolher em si mesmo, abaixando a cabeça e levantando a ponta dos pés, puxando a aba da boina para mais perto do rosto.

Oh, bem, ele estava feliz? Sorrindo?

- Agora diga o que ia dizer, estou curioso.
- É que – Disse Nori, recompondo-se rapidamente e ajeitando a boina, aproveitando também para educadamente pressionar o braço de Minoru contra as costas do banco. – Você havia perguntado o que me incomodava, não?
- Sim.
Apontou.

Para Susumu;

Sentado em um banco, de costas para eles, ouvindo tudo.

- Ele te incomoda? – Perguntou Minoru, espantado. – O que ele quer com a gente nesse fim de mundo?
- Respostas, ele disse. Às sete ele estará lá em casa, aí poderemos responder tudo que ele quiser e estaremos livres, eu acho.
Minoru balançou a cabeça, com desprezo no rosto e, sem prestar atenção, pôs-se a puxar e pentear, com os dedos, os cabelos mais longos da nuca do rapaz, que caíam até o meio de seu pescoço.
- Pare com isso – Disse ele, pouco depois, afastando a mão.
Então, o médico deu de ombros e prosseguiu comendo.

Foi quando Nori se pôs de pé e olhou em volta, espantado.

- O que houve?
- Há um aqui – Disse ele. – Eu já volto. Não deve estar muito longe.
- Nori, nã-

Tarde demais. Ele já correra para longe, na direção de uma praça onde havia até que bastante gente – Ou bastante mulheres velhas. Susumu o seguiu com os olhos e viu uma coisa avermelhada se formando como se várias nuvens se juntassem em uma só.

Tonteira novamente. O mundo ficou colorido e então havia apenas Nori, o kanjou – Chamá-los pelo que eram era mais fácil que chamá-los de oni –, Minoru, ele e algumas silhuetas de gente. Então aquele era o plano entre planos, não era? Lugar tão esquisito quanto antes. A única diferença eram as cores e a aparência geral do local, que estava um pouco mais claro e-

Aqueles eram corpos no chão? Corpos de gente...

E havia sangue no chão...

E corpos... Corpos... E corpos... De tanta, tanta gente; todos caídos e sangrando e mortos.

Segurou o nojo e olhou para Nori, que abria o casaco e revelava um revólver preso à sua blusa branca por algo que pareciam ser uma bainha própria para uma arma de fogo e cintos que circundavam seu peito. Ele pegou a arma, se afastou alguns passos e atirou três vezes no kanjou que parecia ter a altura dele e ser um pouco mais gente que o anterior.
Para sua surpresa, em vez dele se irritar ainda mais e partir para cima de Nori, ele olhou para os ferimentos no peito e soltou um longo e triste uivo e começou a fazer barulhos que soavam como choro.
Aí sim pulou em cima do rapaz, que se afastou, recarregou a arma e voltou a atirar.
- Nori, isso não vai funcionar muito – Gritou Minoru, levantando-se após examinar um pouco os corpos. – Sabe quem são esses mortos?!
- Me elucide! – Berrou o garoto, deixando uma bala cair e parando, com o antebraço, um soco do kanjou.
- Soldados da guerra russo-japonesa!
- Então eles e as moç-
- Sim! Balas não irão funcionar; só irão piorar a dor!
Mas que coisa.
- Vou ser rápido, então – Disse ele, guardando o revólver.
Quando o kanjou foi lhe dar um soco, agarrou seu pulso, o empurrou para frente e segurou seu pescoço para forçá-lo e quebrá-lo de uma vez, mas a criatura o segurou pelas costas e o jogou por cima do ombro.
Caíram os dois juntos e ficaram se batendo por algum tempo, puxando golas e socando rostos, até que Nori conseguiu a vantagem e derrubou seu adversário, prendendo-o entre suas pernas e jogando peso sobre seu peito.

Susumu ouviu o som de algo que não deveria quebrar, quebrando.
O pior som da sua vida.

E voltaram ao plano dos humanos. Nori saiu da multidão parecendo um tanto cansado, tentando reabotoar ambas as blusas e limpar o sangue que estava em seus lábios, ignorando as senhoras que haviam visto um moleque entrar limpo e sair semimorto da multidão e lhe ofereciam ajuda e perguntavam o que havia acontecido.
Parou na frente de Minoru e Susumu, suspirou e disse:
- Saudade.
Ao qual Minoru respondeu com um desinteressado:
- Ah.
E Susumu completou:
- Mães e esposas dos veteranos, imagino.
Que Nori fechou com um:
- Você me incomoda.
Ficaram em silêncio e Minoru foi tomar seu tempo para fazer curativos no rosto do rapaz, puxando-o pelo pulso e entrando na clínica. Porém, antes de sumir da vista do outro garoto, olhou-o e disse:
- Acho que podemos resolver algumas coisas agora, pirralho.
Foram os três para uma sala mais reservada e Nori se sentou na cama, cruzando as pernas e tirando a boina. Susumu ficou parado na porta, vendo o médico, pessoalmente, desabotoar o casaco e a camisa que o rapaz usava, até que ele estivesse nu da cintura para cima e não visse muita coisa de estranha naquilo, chegando até a suspirar e apoiar o queixo na mão.

Era um pouco esquisito, sim...
O corpo dele estava todo cheio de roxos e, pior ainda, cicatrizes.

Com apenas dezesseis anos e com marcas são feias? Tantos cortes, tantos arranhões, tantas marcas que pareciam ser de cirurgias...

- Está doendo muito, Nori? – Perguntou o médico, fazendo curativos em um corte perto de seu ombro.

Ele balançou a cabeça negativamente, e então-

- Tem certeza?

-positivamente, e-

- Pode falar, estou aqui para isso. Se você não falar e eu não cuidar disso, pode acabar piorando...

-suspirou mais uma vez, entediado, e apontou para onde mais doía, limpando o sangue que sujava seus lábios e dentes com as costas da mão logo em seguida. Esperou pacientemente Minoru tratar de todas as manchas, mas, quando ele tocou seu lábio inferior para olhar melhor o corte, abaixou a cabeça, franziu as sobrancelhas e levou os olhos, por uma fração de segundo, a Susumu.
Minoru o soltou no exato momento e preferiu procurar o ferimento apenas observando o fio de sangue.

Esquisitos.

No final daquilo tudo, Nori abotoou sua camisa, pôs o tal porta-revólver nela e fechou o casaco, olhando então para o outro rapaz e cruzando os braços.

Com aquele olhar, Susumu se sentiu um pouco intimidado. A única coisa que conseguiu fazer foi dar um passo para trás, desviar o olhar e murmurar, tímido:

- Então... Huh... Aquele ser... Ele foi criado a partir dos sentimentos daquelas senhoras, não foi? Da saudade que sentiam dos filhos que morreram... Na guerra... Né?

Por que eles não respondiam e só ficavam o olhando?!

- Vamos lá, eu... A minha presença não é tão ruim assim, é?
- Às sete horas, não? – Perguntou Minoru, levantando uma sobrancelha.
- Sim.
- Estaremos esperando você lá, mas... Pirralho-
- É Susumu.
- -Você ao menos sabe no que está se metendo? Por que não esquece tudo e vai viver uma vida feliz?

Susumu pensou um pouco e então disse:

- E você?
- Hã?
- Por que não esquece tudo e vai viver uma vida feliz?

Notou que Nori apertara os lençóis da cama, mas não falou nada.

- Afinal – Prosseguiu. – Você é só um médico, não é? Kurosawa-senpai é o caçador e ele está muito bem, não é?

Não esperava que Minoru começasse a rir insanamente e não parasse até que Nori pusesse a mão sobre seu ombro.

- Ah, pirralho, você não sabe de nada do que houve! Como assim você acha que pode vir igualar sua situação à minha?
- Responda à minha pergunta: Por que não esquece tudo e vai viver uma vida feliz?
- Minha vida é feliz.
- Mesmo com tantas coisas assim?
- Eu não poderia ser mais contente, acredite.
- Então por que eu não poderia ser assim, também?
- Você está querendo sacrificar tudo mesmo, pirralho?
- Você sacrificou?
- Não tente comparar um médico de trinta anos a um estudante de dezesseis.
- Nori tem dezesseis.
- Sério? Não sabia. – Riu ele, rolando os olhos. – Mas... O que você disse?
- Nori tem dezesseis. – Repetiu. – Nossas situações não são iguais?

Minoru virou os olhos para ver Nori olhando para o outro lado, incomodado e pouco impressionado.

- Você quer mesmo, mesmo, mesmo comparar você e ele? – Perguntou, subitamente mais sério.
- Por que nã-
- Moleque inocente – Disse ele, levando a mão ao queixo. – Vá para casa. Às sete, nos falamos.
- Não, quero falar agora.
- Você realmente acha que ele acordou um dia e disse “Acho que hoje vou ser um caçador”? Olhe, você parece bastante imaturo. Fala coisas sem saber... Por que não espera até as malditas sete horas e então vem conversar com a gente? Falo sério. Temos muito o que conversar. Mas ainda acho que seria mais sensato você ir para casa e esquecer de tudo.
- E você acha mesmo que vai ser fácil eu esquecer tudo que vi?!
- Você tem algum respeito por nós?
- Hã? Que tipo de pergunta é essa?
- Respeita nossas decisões, nosso trabalho, nossos sonhos?
- C-claro que sim, mas-
- Então faça um favor para nós dois; especialmente para Nori, e esqueça isso tudo. Você não quer piorar o trabalho dele, quer?

Que perturbação eles eram!
Decidiu apenas franzir as sobrancelhas e dar aquela conversa como encerrada. Virou-se, foi até a porta e disse, visivelmente irritado:

- Sete horas.
- Claro.

Saiu.

E os dois ficaram lá, olhando para onde ele havia ido, silenciosos.

- É um idiota – Murmurou Nori, finalmente.

Minoru teve que concordar, e então viu algo raro: Nori prosseguir falando.
- Ele acha que é fácil. Se ele soubesse... É muita história para ele entender; acho que não vai conseguir. Quando ele entender tudo que se passou, vai querer voltar para casa e esquecer.
- Acho que ele está pensando alto demais. Deve estar pensando que é simples ter um médico à disposição ou uma família inteira como é o caso de Yuzuki-san. Mas, sabe, ainda acho que não desisti de me tornar um-
- Outro idiota. – Afirmou Nori, apoiando o rosto no queixo.
O homem sorriu fracamente e logo mandou o garoto sair da cama, pois um homem de óculos escuros entrava na sala e parecia estar com um pouco de problemas.

Às sete, quando voltaram, encontraram um entediado e sonolento Susumu parado à frente da casa, aguardando. Quando os viu, sorriu e os cumprimentou, coisa que não foi muito bem respondida por ambos – O médico simplesmente deixou os dois sozinhos e foi abrir a porta, mesmo sabendo que aquela situação possivelmente terminaria na morte de um dos dois, e que não seria a de Nori.
- Venham – Disse, gesticulando.
Susumu só entrou primeiro porque o outro rapaz insistiu que fosse na frente.
- Está meio bagunçado, mas não repare – Prosseguiu Minoru. – Sente-se onde quiser, vamos resolver logo o drama.
O garoto olhou em volta enquanto Nori tirava os sapatos e se sentava no sofá: Uma casa menor do que lembrava, com uma cozinha apertada, um banheiro pequeno e um quarto apenas. Havia também uma sala nos fundos, também minúscula, onde, ele via, tinha um futon esticado e com roupas em cima, como se tivessem esquecido de arrumá-lo antes de sair.
Voltou a prestar atenção nos dois quando Minoru voltou, segurando uma bandeja com três xícaras de café, e a pôs na mesa logo à frente deles.
- Então, - Disse ele. – Você é que quer nos interrogar. Vá em frente.

Hmmm.

Susumu levou a xícara à boca e ficou pensando por alguns momentos, olhando para o alto.

- Quero uma explicação direita – Disse finalmente. – Não aquela coisa corrida de antes.
- Explicação direita sobre o quê? – Perguntou Minoru, levantando uma sobrancelha. – Já não explicamos tudo que devia ser explicado?
- Por que me querem longe?

Nori se recostou no braço do sofá, aparentemente cansado do dia duro, e ficou o encarando.

- Não é que te queremos longe. – Falou o médico. – É que será melhor para nós e para todos se não tivéssemos contatos além dos necessários.
- Por quê?
- Não é muito interessante envolver gente que não tem nada a ver com nada nisso.
- Gente que não é caçador, você diz?
- Sim.
- Você não é um.
- Você gosta de me incomodar, pirralho – Disse ele, cruzando os braços acima da cabeça e apoiando os pés na mesa. – Não, não sou um caçador. Exatamente. Você está certo. Mas tenho uma longa história envolvendo caçadores e fui escalado como guardião de Nori e aceitei esse papel de braços abertos.
- Por quem?
- Pelos Akiyama. São eles que comandam os caçadores da região.
- Mas Kurosawa-senpai não é um Akiyama.
- Sério? Não sabia. – Disse, rolando os olhos e sorrindo. – Eles são o maior clã de caçadores de Hokkaido. Os outros caçadores são ou Kurosawa, que estão desaparecendo rápido e os que sobram vivem em Nagasaki e o resto são apenas gatos pingados que nasceram com o dom de verem kanjou, inclusive eu, que sou um dos gatos pingados – Falou Minoru, levando a mão ao peito. – O primeiro da era atual da família Himura.
- Mas então, eu também sou um gato pingado e agora consigo ver esses bichos. Por que me querem longe, ainda assim? O papo de inocente não cola. Não digo que quero ajudar a matar essas coisas, muito pelo contrário, eu prezo minha vida – Falou, bebendo mais café. – Só acho vocês um tanto curiosos. Quero dizer, surgiram do nada e não deixam nem dicas de quem são. Como esse negócio de caçar kanjou começou para vocês?
Minoru ficou em silêncio por um momento.
- É muita história para contar. – Disse ele, finalmente. – Importa que eu o conheço desde que ele era um feto no ventre da mãe dele, o vi nascer, o vi crescer e perdi contato por quase dez anos.
- E onde estão os pais dele, agora?
O médico lançou um olhar rápido a Nori, que caíra no sono e dormia silenciosamente.
- O pai sumiu e a mãe morreu. – Respondeu rapidamente.
- Eram caçadores, também?
- Só a mãe. O nome dela era Kurosawa Chouko.
- Morreu de quê?
- Você não acha que está sendo um pouco invasivo, moleque?
- Ele está dormindo. Não fará mal a ninguém.
- Você não tem um mínimo de educação. Importa apenas que a mãe, a avó e a bisavó dele eram todas caçadoras e passou para ele. – Disse Minoru, olhando para o nada por alguns momentos e murmurando: - Kimiko, Natsuko, Chouko, Nori-
- -ko.
- O quê?
- Noriko.
- Hã...
- Kimiko, Natsuko, Chouko, na ordem, deveria ser Noriko. Espera, o nome dele é Noriko e não Nori? – Perguntou Susumu, abestalhado, pois aquele era nome de mulher.
- Seria se ele fosse uma rapazota e não um rapazote. Mas, enfim, é isso. Nori nasceu em uma família de caçadores, foi treinado como tal, aceitou seu dever como tal e cá está.
- E por que ele é assim?
- Assim como?
- Você sabe. Ele não fala, não sente, não se expressa. Não é normal para um rapaz da nossa idade. – Disse, levantando as sobrancelhas e apoiando o queixo na mão.
- Imagino que já tenha pensado num motivo óbvio para isso. – Falou Minoru, olhando para o alto novamente.
- Uma over-
- -dose de emoções não seria algo muito bom para um caçador.
- Mas ele tem emoções, eu sei disso.
- Chegará uma hora que dele só sobrará o corpo e alma alguma, e isso se formos otimistas, porque senão ele morre. – Murmurou, fechando os olhos por um momento, e a voz vacilou. – Não é uma vida fácil para um caçador. Não é uma vida fácil para ninguém relacionado a um.
- E por que você prossegue?
- Preciso responder, moleque?
- Susumu!
- Se me fosse permitido, eu mesmo viraria um caçador para livrá-lo desse peso. Mas não posso. E, enquanto isso, - Sussurrou. – Eu sofro sabendo que ele vai acabar morrendo cedo e não poderei fazer nada contra isso. – Disse, retornando ao tom de voz normal. – Mas já é uma dificuldade esquecer disso em dias normais e vê-lo sair por aquela porta toda noite sem saber se ele vai voltar. E vê? É por isso que não queremos ninguém por perto. Se você se aproximar demais, vai ver que ele é um bom rapaz, vai acabar se apegando a ele e uma hora ele morrerá prematuramente e você sofrerá. É o que acontece com todo caçador. Só os mais sortudos e fortes fogem disso, como a matriarca e o patriarca dos Akiyama. Deixe o troço de caça para quem tem experiência.
- Você deve ser uma pessoa triste.
- Touché.

Minoru sorriu um sorriso desafiador e bebeu mais café.

- Você é muito apegado a ele, não é...?
- É difícil não se apegar quando se é tão triste desse jeito.
- Ele?
- Oh, acha que a vida dele são flores e magnólias? El-

Naquele momento, Nori acordou como se tivesse tomado um susto, levando a mão à cabeça e fechando os olhos com força. Então ele se levantou, ainda grogue, pegou seu rifle e sua adaga que estavam no quarto com o futon e saiu de lá já preparado para mais uma noite de caça.
- Já, Nori? – Perguntou Minoru, espantado, segurando-o pela mão.
- É, eu acho que sim – Reclamou ele, esfregando os olhos. – Até mais tarde.
- Volte vivo.
- Vou tentar.
Acenou para Susumu e saiu, batendo a porta.


- Vê como dá uma dor enorme no peito ver isso? – Disse o médico, finalmente, sorrindo. – Agora, imagine toda a noite ele sair assim, apressado, com sono, porque sentiu um kanjou se formando. Agora conclua que, sim, somos muito tristes em nosso próprio jeito.

Agora talvez entendesse um pouco.
Uma figura paterna que não sabia quando seu filho ia morrer, sendo que podia ser a qualquer momento, tendo que auxiliar no que o mataria e um adolescente que vivia pelos outros e nunca para si mesmo, sacrificando-se sempre para manter o bem-estar da população.

Tempos difíceis.

- Tem algo que eu possa fazer por vocês?

Minoru apenas bebeu mais um pouco do café e se levantou.

- No momento, não – Disse. – Espero que eu já tenha respondido tudo que queria saber. Está ficando tarde, então acho melhor você voltar para casa agora. Não há mais nada para ser visto aqui. Ele já foi embora, mesmo...

O garoto o viu se afastar, ir até o quarto e começar a arrumar o futon para quando Nori voltasse.
- Até amanhã então, Himura-san – Disse, indo até a porta. – Boa noite e obrigado.
- Até lá, Susumu-kun.

Saiu, perturbado e pensativo.

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